
A metodologia jurídica: regresso ao futuro?
O Advogado “generalista” sente-se incapaz de acompanhar o incessante ritmo da evolução jurídica. A crescente tendência para a especialização, por outro lado, suscita problemas de valorização.
Acredito que a advocacia enfrenta desafios extraordinariamente complexos.
Desde logo, o sistema jurídico assume uma vastidão inabarcável e uma complexidade dificilmente resolúvel: o Direito cobre cada vez mais áreas da vida social, invadindo esferas antes pertencentes ao chamado “espaço ajurídico”; todos os dias se promulgam novas leis, nos mais diversos domínios; a “vida real” confronta o Direito, a cada passo, com problemas novos; criam-se frequentemente novos sub-ramos do Direito; a cada passo surgem novas interpretações sobre questões que se julgavam definitivamente sedimentadas.
Acresce que o mercado (ou o “Cliente”), sobretudo o empresarial, possui hoje uma formação, um nível de conhecimentos e um grau de sofisticação que elevam significativamente o nível de exigência perante o Advogado.
Mais acrescem, agora, os desafios postos pela Inteligência Artificial (IA): se, por um lado, a IA constitui uma poderosa ferramenta de gestão do trabalho do Advogado, por outro lado, pode vir a representar uma séria ameaça para a forma como a profissão vem sendo exercida até hoje.
Perante este cenário, o Advogado “generalista” sente-se incapaz de acompanhar o incessante ritmo da evolução jurídica. A crescente tendência para a especialização, por outro lado, suscita problemas de valorização e diferenciação do papel do Advogado: como pode um Advogado especializado em certo ramo acrescentar valor específico e autónomo perante uma plateia composta por peritos não-juristas com vasta experiência nesse ramo e que conhecem a regulamentação sectorial “de uma ponta à outra”?
Parece-me vir a propósito um tema caído em desuso na prática jurídica: a metodologia do Direito.
O esforço posto na clareza da redacção dos preceitos legais não chega ao ponto de dispensar a interpretação das leis, mesmo as aparentemente claras, porque o legislador não pode deixar de utilizar a linguagem e esta é, por natureza, imprecisa, polissémica, ambígua, porosa.
Contrariamente ao que poderia supor-se, a hiperactividade legislativa não elimina o problema das lacunas da lei, porque é humanamente impossível prever e disciplinar todas as situações que as relações sociais constantemente suscitam (tanto as já imagináveis à data da promulgação da lei, como as que resultam de evoluções futuras).
Consciente desta incapacidade, o legislador recorre cada vez mais a cláusulas gerais e conceitos indeterminados, com frequente apelo a juízos de valor – juízos esses que devem ser apoiados em critérios metodológicos objectivos, sob pena de se cair na subjectividade inerente ao sentimento jurídico de cada intérprete.
A referida hiperactividade legislativa, conjugada com a propensão para a feitura apressada de leis para acudir a necessidades políticas momentâneas, agrava o problema das antinomias ou contradições (normativas e, sobretudo, valorativas).
Ora, a selecção e conjugação dos (diversos) critérios hermenêuticos perante o caso concreto; a determinação da existência de uma verdadeira lacuna e o seu preenchimento; a aplicação de critérios metodológicos que tornem os juízos de valor o mais objectivos possível; e a resolução das antinomias – são problemas que requerem um conhecimento jurídico-metodológico que, em princípio, só está ao alcance dos juristas e que convocam juízos axiológicos que escapam à IA.
Poderá o regresso à “velha” metodologia jurídica constituir uma solução decisiva para os desafios actuais e futuros da advocacia? Acredito que sim.
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