A uniformização de jurisprudência que demole o setor imobiliário

  • Gonçalo Cid e Catarina Matos
  • 2 Junho 2025

Esta é uma ótima oportunidade para o próximo Governo virar a página e ponderar, com caráter de urgência, a aplicação generalizada da taxa reduzida de IVA na construção e reabilitação de imóveis.

O setor imobiliário vai (novamente) ser posto à prova. No passado dia 26 março, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu uma decisão (Processo n.º 012/24.9BALSB), no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, o qual vem uniformizar a interpretação da aplicação da taxa reduzida de IVA, prevista na anterior redação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código deste imposto.

A então redação da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA previa a possibilidade de aplicação da taxa reduzida de IVA a “(e)mpreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.

Neste âmbito, para efeitos de aplicação da referida verba deverão ser verificadas algumas condições, nomeadamente que a operação consubstancie: 1) uma empreitada de reabilitação urbana 2) seja realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

Em virtude da falta de clareza das normas, a redação da anterior verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA tem gerado dúbias interpretações, por parte dos contribuintes, tendo como consequência imediata a vasta litigância fiscal ao longo dos últimos anos.

De facto, a jurisprudência arbitral, nesta sede, tem sido fértil, sem que se tivesse verificado um consenso de interpretação, havendo inclusivamente lugar a votos vencidos em alguns casos.

Neste contexto, o STA foi chamado a pronunciar-se relativamente a três questões distintas, a saber:

  • para beneficiar da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (…), a lei se basta com a verificação dos dois pressupostos lá expressamente previstos – tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana situada em área delimitada de reabilitação urbana – ou se, mais do que isso, exige outros requisitos ou pressupostos, designadamente os que se prendam com uma operação de reabilitação urbana.
  • o conceito de empreitada de reabilitação urbana se aplica à construção de edifícios novos dentro da área delimitada de reabilitação urbana ou se, pelo contrário, apenas abrange a reabilitação do edificado.
  • a certificação, pelo município competente, de que se está diante de uma empreitada de reabilitação urbana numa área delimitada de reabilitação urbana e no âmbito de uma operação de reabilitação urbana é suficiente para aplicação da taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 em causa.

O STA apenas concedeu recurso relativamente à primeira questão e concluiu que a taxa reduzida de IVA, ao abrigo daquela verba só poderá ser aplicada às empreitadas de reabilitação urbana, localizadas em Área de Reabilitação Urbana (ARU), mas também no âmbito de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) em vigor.

Para os devidos efeitos, importa clarificar que nos termos do DL n.º 307/2009, de 23 de outubro (Regime Jurídico da Reabilitação Urbana), conforme alterado, uma ORU consiste numa intervenção integrada de reabilitação numa zona delimitada como ARU, através da requalificação do edificado, dos espaços públicos e da melhoria das infraestruturas urbanas, promovendo a regeneração social, económica e ambiental dessa zona.

Este tipo de operação pode ser promovida por iniciativa pública ou privada, sendo que a respetiva aprovação da ORU é da responsabilidade dos Municípios que, nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, o podem fazer em simultâneo com a aprovação da ARU ou em momento posterior.

Note-se que o Acórdão tem como consequência a uniformização da interpretação a ser seguida pelos tribunais, reforçando a posição da Autoridade Tributária (AT) e facilita a revisão de processos onde foi aplicada a taxa reduzida.

Entendemos que o STA decidiu em sentido formalista e restritivo, com base em condições não previstas na antedita verba, transferindo para os municípios o ónus da delimitação e aprovação das ORU’s.

Por outro lado, não nos parece que seja esse o espírito da lei, tendo em conta as alterações promovidas à verba, no âmbito do Programa “Mais Habitação”. Com efeito, o referido Programa alterou a redação da verba 2.23, no sentido de limitar a sua aplicação à reabilitação de edifícios, excluindo expressamente a construção nova, ou seja, deixa de ser condição a realização de uma empreitada de reabilitação urbana, mas uma empreitada de reabilitação de um edificado existente localizado numa ARU, não sendo necessária a existência de uma ORU aprovada.

O publicado Acórdão supostamente vem encerrar a discussão sobre a interpretação da anterior redação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Mas a que custo?

Em nossa opinião, esta decisão terá um impacto substancial no sector imobiliário, mais concretamente na construção e reabilitação dos imóveis inseridos numa área de reabilitação urbana, sem ORU aprovada.

Com efeito, esta decisão compromete a viabilidade de inúmeros projetos habitacionais, uma vez que certamente será feita uma revisão do preço de venda dos imóveis, para acomodar o custo acrescido dos 17 pontos percentuais, agudizando, uma vez mais, a crise na habitação.

E soluções para o futuro?

Esta é uma ótima oportunidade para o próximo Governo virar a página e ponderar, com caráter de urgência, a aplicação generalizada da taxa reduzida de IVA na construção e reabilitação de imóveis, independentemente de se localizarem numa ARU.

  • Gonçalo Cid
  • Sócio da Andersen Portugal
  • Catarina Matos
  • Diretora de VAT da Andersen Portugal

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