A urgência da transformação do empreendedorismo europeu

Portugal tem o potencial e o know-how para liderar e inspirar este novo ciclo de políticas para startups na Europa. Para isso acontecer temos de continuar a fazer mais e melhor.

Os sintomas são conhecidos: o empreendedorismo na Europa enfrenta dificuldades em transformar ideias em produtos e escalar empresas num contexto global dominado por mercados como os dos Estados Unidos e da China. A Comissão Europeia identificou os principais entraves: falta de escala, burocracia, dificuldades no acesso ao financiamento e na retenção de talento.

Apesar de representar 18% da economia mundial, a Europa atrai apenas 8% das startups globais e uma parte significativa das startups bem sucedidas que nascem na Europa mudam-se para os Estados Unidos para obterem um maior financiamento privado e daí crescerem para o mundo.

É urgente mudar esta situação, sob risco de ficar seriamente comprometida a soberania tecnológica e a competitividade da nossa União.

Neste contexto, a Comissão Europeia apresentou no passado dia 28 de maio a “EU Startup and Scale Up Strategy” que constitui um importante passo para a necessária transformação do empreendedorismo na UE.

A nova estratégia proposta está estruturada em cinco eixos de atuação — promover um ambiente favorável à inovação; fomentar o acesso a financiamento; facilitar a entrada no mercado e a expansão; atrair e reter talento de excelência; e garantir o acesso a infraestruturas, redes e serviços.

Portugal surge como um exemplo de aplicação precoce e eficaz de várias medidas nestes domínios. Com cerca de 4.700 startups identificadas (Informa DB, Deal Room, 2024), representando entre 12% a 15% do total da União Europeia, num país que representa menos de 2% da população europeia, o ecossistema português destaca-se pela sua maturidade, dinamismo e ambição internacional. Em 2024, o número de startups cresceu 16%, e o investimento captado atingiu os 448 milhões de euros — um aumento de 134% face ao ano anterior.

Debrucemo-nos sobre os 5 eixos desta nova estratégia e sobre como Portugal pode acompanhá-la. Seguindo a lógica da Comissão, fá-lo-ei em 5 pontos também.

  • Liderança e Alinhamento Estratégico com a União Europeia

A Startup Portugal tem atuado como o braço operacional das políticas públicas para o empreendedorismo em Portugal e está plenamente alinhada com a nova estratégia da Comissão Europeia. Portugal é um dos poucos Estados-Membros com uma aposta firme no empreendedorismo, através de uma única entidade agregadora dos interesses e desafios dos diferentes stakeholders do ecossistema empreendedor e, desde 2023, já com uma Lei das Startups que comporta a definição legal de startup e scaleup, viabilizando desta forma o lançamento de políticas públicas e medidas direcionadas para estas empresas, o que demonstra preparação institucional e capacidade para contribuir ativamente para a execução desta agenda europeia.

A ambição da UE passa por aumentar a competitividade e a capacidade de retenção de talento e capital. Portugal já dá passos significativos nesse sentido, e está pronto para alargar as suas boas práticas e experiências ao contexto europeu.

  • Simplificação e Harmonização Regulamentar

A expansão internacional é um dos principais desafios enfrentados pelas startups, especialmente por aquelas criadas em mercados de menor dimensão como Portugal. Muito frequentemente, “escalar” implica não apenas conquistar novos mercados, mas também encontrar formas de “nascer” legal e fiscalmente em cada nova jurisdição — um processo que consome tempo, recursos e energia.

Portugal tem feito progressos na simplificação da criação de empresas, com iniciativas como a “Empresa na Hora”. No entanto, a burocracia continua a ser uma dor de cabeça real — reconhecida pelo próprio Primeiro-Ministro que no seu discurso de tomada de posse a 5 de junho de 2025 declarou “guerra à burocracia”.

Deposito uma grande expectativa nesta medida [o 28.º Regime]. A sua implementação concreta é crítica para tornar o mercado único verdadeiramente acessível às startups, e não apenas às grandes empresas que hoje conseguem absorver os custos da complexidade europeia e para atrair mais investidores.

Neste contexto, a proposta do “28.º Regime”, no âmbito da “EU Startup and Scale-up Strategy”, surge como um avanço estrutural e transformador. Um regime supranacional verdadeiramente europeu, que permita a uma empresa operar de forma integrada no mercado único, pode fazer a diferença entre sobreviver e escalar. Liberar as startups da necessidade de adaptar-se juridicamente a 27 sistemas distintos significa, na prática, que mais empreendedores poderão dedicar-se ao que realmente importa: contratar talento qualificado, desenvolver produtos, conquistar clientes — e não gastar tempo (e capital) com equipas jurídicas para garantir conformidade mínima.

Deposito uma grande expectativa nesta medida. A sua implementação concreta é crítica para tornar o mercado único verdadeiramente acessível às startups, e não apenas às grandes empresas que hoje conseguem absorver os custos da complexidade europeia e para atrair mais investidores.

  • Reforço do Financiamento e Capital de Risco

O acesso à capital continua a ser um dos maiores obstáculos à escala. Portugal deve posicionar-se como parte ativa no Scale Up Europe Fund e no Innovation Investment Pact, mobilizando instrumentos como o Banco Português de Fomento e fundos públicos de capital de risco.

Há igualmente um potencial inexplorado nos fundos de pensões europeus, que devem passar a diversificar a aplicação dos seus ativos apostando em startups e scaleups, através dos fundos de venture capital, — o que implica uma mudança cultural e regulatória numa oportunidade de transformação estrutural.

  • Talento, Stock Options e Mobilidade

Portugal tem já um regime de stock options altamente competitivo, lançado com a aprovação da lei das startups em 2023, complementado em 2024 com o novo Incentivo Fiscal para Inovadores e Criadores de Inovação (EFICI). A evolução deste regime deve ter em conta os esforços de harmonização europeia e pode servir de modelo para outros países.

Também há margem para rever e reforçar os Startup e Tech Visas, criando um mecanismo mais ágil e eficaz para atrair fundadores e talento tech internacional. Simultaneamente, devemos continuar a promover a valorização da carreira académica com foco na transferência de conhecimento e comercialização de investigação, elemento essencial para criar inovação com impacto económico.

Há um potencial inexplorado nos fundos de pensões europeus, que devem passar a diversificar a aplicação dos seus ativos apostando em startups e scaleups, através dos fundos de venture capital, — o que implica uma mudança cultural e regulatória numa oportunidade de transformação estrutural.

  • Dados, Definição e Medição de Impacto

A existência de uma definição harmonizada de startup e scaleup é essencial para o sucesso da estratégia europeia. Portugal tem liderado este debate, através da sua experiência legislativa e da participação ativa na Europe Startup Nations Alliance (ESNA).

Estamos também a desenvolver uma nova plataforma nacional de mapeamento do ecossistema, que será integrada com o Startup & Scale Up Scoreboard europeu. Esta plataforma incluirá dados sobre dimensão financeira, impacto regional, sustentabilidade e valor social — promovendo políticas públicas baseadas em dados concretos.

A articulação do Scoreboard europeu com as entidades representantes nacionais, como a Startup Portugal e os seus homólogos nos restantes Estados-Membros é essencial para garantir granularidade estatística e ação política informada.

Portugal tem o potencial e o know-how para liderar e inspirar este novo ciclo de políticas para startups na Europa. Não obstante, para isso acontecer temos de continuar a fazer mais e melhor — não apenas identificando desafios, mas apresentando soluções práticas e estruturadas, com base na experiência e inovação que já demonstrámos no terreno.

A Startup Portugal está pronta para assumir uma posição de liderança na implementação da nova “EU Startup and Scale Up Strategy”, como parceira estratégica das entidades Europeias para testar e operacionalizar medidas, garantir coerência entre políticas nacionais e comunitárias e assegurar que o ecossistema português contribui ativamente para a urgente transformação do empreendedorismo Europeu.

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