Acidentes em teletrabalho

  • Ricardo Nascimento
  • 15:04

O teletrabalho é, sem dúvida, uma conquista que veio para ficar. Mas o equilíbrio entre flexibilidade e segurança ainda está em construção.

O teletrabalho transformou a forma como trabalhamos, trazendo consigo uma flexibilidade sem precedentes, permitindo que os trabalhadores realizem as suas funções em locais muito além das paredes de um escritório tradicional. Cafés, espaços de coworking, hotéis e até transportes tornaram-se novos “postos de trabalho”. Contudo, esta liberdade vem acompanhada de desafios — especialmente no que toca aos acidentes de trabalho.

Nos escritórios tradicionais, as regras de segurança são claras e fiscalizadas. Já em teletrabalho, os riscos tornam-se muito mais difíceis de mapear. Uma cadeira desconfortável ou pouco ergonómica, uma queda numa escada ou até uma distração doméstica podem provocar acidentes com consequências graves.

Apesar de o teletrabalho alterar o ambiente, a responsabilidade do empregador mantém-se. A lei portuguesa é clara: a empresa deve assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores, mesmo fora das suas instalações. Esta obrigação inclui a comunicação à seguradora de que os trabalhadores estão em teletrabalho. Caso isso não aconteça, os acidentes poderão ficar fora da cobertura da apólice, trazendo riscos económicos para a empresa e deixando o trabalhador desprotegido.

O conceito de acidente de trabalho mantém-se: trata-se de um evento súbito que ocorre no exercício da atividade profissional, causando lesão ou incapacidade. Todavia, a questão torna-se complexa quando o local de trabalho é a casa do trabalhador ou qualquer outro espaço que não está diretamente sob o controlo do empregador.

Aqui reside uma “zona cinzenta”. Como avaliar as condições de segurança de um espaço privado? E se for um café ou espaço de coworking? E como assegurar que o acidente foi, de facto, relacionado com a atividade laboral?

A dificuldade de delimitar a fronteira entre espaço de trabalho e espaço pessoal é enorme.

Como provar que o acidente está diretamente ligado à atividade laboral e não às circunstâncias casuais do local?

E como fiscalizar as condições quando o empregador não tem qualquer controlo sobre o ambiente de trabalho escolhido?

Ensaiando uma resposta diremos que a responsabilidade não é unidirecional. O teletrabalho, especialmente fora de casa, exige um compromisso claro entre empregador e trabalhador. Algumas boas práticas incluem:

  1. Comunicação às seguradoras: a empresa deve informar que o trabalhador desempenha funções em regime remoto, para que se perceba que o local de risco não são as instalações da empresa, evitando exclusões na apólice de seguro.
  2. Diretrizes claras sobre locais seguros: acordos que incentivem locais apropriados (como espaços de coworking certificados) e boas práticas de ergonomia.
  3. Formação contínua: sensibilizar trabalhadores para a importância de escolherem locais com condições adequadas de segurança.
  4. Regras para deslocações em serviço: esclarecimento sobre cobertura de seguros em viagens ou deslocações durante o horário laboral.

Noutros países, algumas empresas já adotam inspeções virtuais dos locais de teletrabalho para garantir que as condições de segurança são respeitadas. Também há quem implemente programas de formação sobre ergonomia e segurança. Estas práticas, embora pouco comuns em Portugal, podem ser uma solução para equilibrar liberdade com proteção.

O teletrabalho é, sem dúvida, uma conquista que veio para ficar. Mas o equilíbrio entre flexibilidade e segurança ainda está em construção. Empresas, seguradoras e trabalhadores devem trabalhar em conjunto para evitar que o novo “escritório” não se transforme num terreno desconhecido de riscos invisíveis.

Garantir a segurança no teletrabalho não é apenas uma obrigação legal — é uma necessidade que protege pessoas e negócios.

Afinal, um ambiente de trabalho seguro não depende apenas de onde trabalhamos, mas de como trabalhamos.

  • Ricardo Nascimento
  • Sócio da PRAGMA

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Acidentes em teletrabalho

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião