Aço de Bruxelas, Gótico Inglês

O drama das negociações entre Londres e Bruxelas reside num entendimento desfasado – enquanto uns falam de política os outros respondem com a economia.

O Brexit não tem qualquer racionalidade económica. O Brexit é um acto político por excelência. A Europa observa o Brexit como uma exuberante excentricidade britânica. A Grã-Bretanha despreza a Europa pela sua hegemonia política. A Europa ressente-se no seu projecto económico. O drama das negociações entre Londres e Bruxelas reside neste entendimento desfasado – enquanto uns falam de política os outros respondem com a economia.

A saída da Grã-Bretanha da União Europeia arrasta-se entre a comédia e a tragédia. Bruxelas perplexa pergunta qual o propósito do Parlamento. O Parlamento desdobra-se em moções, votações e emendas, um labirinto político sem lógica, apenas conduzido por circunstâncias caóticas. Onde está a nação conservadora, paradigma da estabilidade e do bom senso, exemplo da ponderação, do equilíbrio e do predomínio do establishment? Na realidade, a Grã-Bretanha tem um Governo incompetente e ridículo, um Parlamento dividido, dissidências nos dois grandes partidos, na aparência o sistema político britânico parece estar à beira da ruptura e a um passo do abismo. Entre a “Little Britain” e a “Great Britain”, o Reino Unido é hoje um exemplo de desunião política. De onde vem esta turbulência desordenada e contida que mesmo mantendo a ordem na rua ameaça a coesão interna da nação britânica?

O Parlamento de Westminster e o sistema constitucional britânico estão suportados no princípio das regras gerais, regras que associadas às circunstâncias são o motor e a base das políticas práticas. Estas políticas práticas são variáveis e estão em permanente renovação, de onde se explica a enorme flexibilidade política de uma constituição não escrita cuja coerência está inserida no tempo, no precedente, na prática, e que, não servindo um desígnio específico, exibe uma imensa latitude que se projecta no futuro. O processo do Brexit pode ser justificado por um certo efeito perverso que é constitutivo do sistema político britânico.

O primeiro ponto será o do princípio da consistência política flexível, uma espécie de pragmatismo optimista que recusa a rigidez dos princípios abstractos e adopta o módico da extrapolação das políticas práticas. No caso do Brexit, este idealismo prático resulta na incerteza permanente, na indefinição persistente, na incerta sabedoria do tempo sobre a urgência da decisão política. John Ruskin escreve que nunca estava verdadeiramente satisfeito sobre os detalhes de uma questão enquanto não tivesse entrado em contradição pelo menos três vezes. Eis o método de decisão por excelência que domina a política britânica.

O segundo ponto relaciona-se com a latitude do futuro em aberto. A abertura implica a inexistência de um destino, de um ideal político terminal, definitivo e politicamente perfeito. Neste particular, a política é a gestão das vicissitudes e das circunstâncias, das contingências e dos imponderáveis. O Brexit vem perturbar o fluxo e a fluidez normal da política, exigindo um plano, um projecto, uma visão e razão política, e esta exigência não será compatível com um determinado princípio do cepticismo na acção. No limite, o princípio do cepticismo na acção ignora o sentido da urgência e a exigência de um plano específico que enquadra a acção política. O Brexit impõe um desígnio de futuro para o qual a arquitectura gótica do sistema constitucional britânico se revela na confusão de todos os arcos que se fecham num ideal romântico.

No vidro e no aço da lógica constitucional da Europa, todos estes detalhes britânicos são expressões do absurdo. A lógica Continental dos Códigos de Napoleão entende a decisão política na estreita associação de um normativo legalmente vinculativo, fechado, rígido, em que a única flexibilidade admitida será a que deriva da importância, da urgência e das implicações da démarche política. Na lógica desta cultura política, tudo o que se passa na Grã-Bretanha viola o estereótipo de uma nação bem administrada, desafia a compreensão de uma burocracia pós-moderna que observa com estupefacção uma nação que parece ter parado no século XIX.

Com acordo ou sem acordo, hard ou soft, com adiamento ao Artigo 50 ou na lógica da guilhotina marcada para um dia e para uma hora, com ou sem Segundo Referendo, o Brexit é uma inevitabilidade que aumenta simbolicamente o obstáculo natural constituído pelo Canal da Mancha. O Brexit é actualmente a expressão de uma reciprocidade orgânica entre a sociedade e a política na Grã-Bretanha. O espectáculo político é parte de um processo de separação e de um projecto de união, dois movimentos opostos e em contradição política insanável. A Grã-Bretanha prepara-se para assumir o lugar original e primeiro de uma ilha offshore da Europa.

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