As falácias de um sonho de Verão

O gaseoduto ibérico é muito poucochinho para António Costa andar tão contente, enquanto as urgências fecham, o incêndio na Serra da Estrela vai lavrando e os portugueses têm menos dinheiro.

Olaf Scholz é um chanceler acossado. Por erros estratégicos alemães anteriores, está a ver o seu país na iminência de ter um sério problema energético no próximo frio inverno alemão. E como todos os políticos da sua geração, é mais importante mostrar que está a resolver os problemas do que efectivamente resolvê-los. É nesse sentido que devem ser escutadas as suas declarações que exaltaram o orgulho nacional como salvadores energéticos da Europa.

Com as torneiras fechadas a Este, está urgentemente a procurar alternativas noutros pontos cardeais. A norte, anunciou o aluguer de quatro plataformas de descarga e gaseificação, semelhantes a Sines, e com uma quinta a caminho, enquanto não se completam as que deseja concluir. Sobretudo para acomodar os contratos de fornecimento directo de gás com o Qatar, que rapidamente fecharam. Entretanto esta semana anunciou que a Sul estava em curso o fornecimento alternativo, via Itália, do Norte de África, e a Oeste aproveitar a Ibéria e seus terminais portuários de gás natural.

Estas alternativas, estrategicamente piores que o abastecimento independente nos seus próprios terminais, tem a vantagem de ser financiada pela União Europeia ao abrigo das redes transeuropeias de transporte de energia. Ou seja, para um país é mais interessante economicamente ligar a sua rede a outro país, com apoio da UE, do que construir um gasoduto interno pago pelos consumidores. Isto é bastante válido para as zonas industriais do Sul da Alemanha, Baviera e Baden-Wuertenberg, apesar de estas já se encontrarem ligadas à rede europeia dos gasodutos da Turquia e dos terminais italianos e croatas do Adriático. Ou seja, não quer dizer que irá utilizar, provavelmente não necessitará, mas é bom ter alternativas.

Nesse sentido não se entende a alegria de António Costa. É uma decisão do Governo alemão sem nenhum mérito do Governo, apenas contando a questão geográfica.

Depois, Sines dificilmente será utilizado, também por uma questão geográfica. O transporte de gás trata-se da introdução de gás natural no gasoduto, mas mais importante a sua bombagem ao longo do tubo. Esta bombagem consome energia, aumenta o custo de abastecimento, diminuindo a eficiência energética e o combate às alterações climáticas, aumentando a dependência fóssil… do gás natural. É aqui que Sines perde. Dos seis terminais espanhóis, apenas Huelva poderá empatar com Sines na distância à fronteira francesa. Todos os restantes estão infelizmente mais perto, portanto mais baratos, com menos impactos ambientais e, em média, com menor taxa de utilização que Sines. E é certo que aqui, como noutras situações, Espanha tenderá a privilegiar os seus portos.

Nem é credível o primeiro-ministro andar a gabar Sines como um porto de LNG de águas profundas., dado que os navios metaneiros têm um calado médio de 12m, o que em Portugal daria para entrarem em Sines, Setúbal, Lisboa, Leixões e até Aveiro. Os maiores do mundo são do Qatar e usam o Suez, numa rota longe de Sines e directos a França ou Itália.

Quanto à falácia do transshipment de navios, ou seja, a passagem de gás natural liquefeito de um navio para outro, é uma tarefa complexa tecnicamente, e onde outros portos já dominam a experiência e eficiência, nomeadamente Montoir-de-Bretagne e Zeebrugge, pela sua dimensão. Neste, como em muitos, não é quem quer, mas quem pode ser mais competitivo.

Nem é absolutamente correcto que o transporte por gasoduto seja melhor que por GNL, Gás Natural Liquefeito, a temperaturas de -160º. Um navio que já circule com GNL, gasta mais 2 dias a Roterdão ou Bremen do que a Sines, sendo mais barato o transporte marítimo que por gasoduto, com os custos de gaseificação, operação e manutenção associados. E de Sines a Estugarda, a 50km/h, demora os mesmos dias. Se assim fosse, o principal porto francês de GNL da costa oeste, Montoir-de-Bretagne, estaria bem mais ocupado que Zeebrugge ou Roterdão.

E também não é bonito ver um Governo a passar a informação, qual rufia da claque, que se França criar dificuldades, o gasoduto pode ir à volta ligando Barcelona a Itália e depois Alemanha. Ignorando ostensivamente o toma lá dá cá europeu, e que esse gasoduto no fundo do mar criaria questões ambientais, técnicas de construção e de custo energético 40% superiores se atravessar a França. Pensar o ambiente é, também, nestes temas e não quando dá jeito. E como sabemos do normal da política europeia, a França não de oporá desde que ganhe qualquer coisa.

E se forem construídos os 160km previstos, depois destas falácias e do sonho de verão dos portugueses salvadores da Europa? Finalmente a REN terá a sua 3ª ligação a Espanha, que sempre perseguiu, sempre recusada pelo Governo por fraco interesse público, uma vez que todos os custos seriam levados a tarifa dos consumidores sem grande benefício. Vamos partir do princípio que seria financiada integralmente pela EU, pois qualquer cêntimo português gasto nesta “salvação europeia” será pago pelos consumidores de um dos países mais pobres da Europa.

Teremos 160km construídos, muito provavelmente pouco utilizados pelas razões expostas, cuja necessária manutenção irá mensalmente à factura de todos os consumidores portugueses de gás natural, engrossando as receitas da REN, a única verdadeira vencedora destas “conquistas”, e os seus acionistas do governo chinês. Um sonho que virará pesadelo. Mais um custo para os portugueses cada vez mais carregados.

Resumindo, é muito poucochinho para o primeiro-ministro António Costa andar tão contente, enquanto as urgências fecham, o incêndio no Parque Natural da Serra da Estrela vai lavrando e os portugueses têm cada vez menos dinheiro ao final do mês.

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