BANANAs

  • Pedro Vaz
  • 20 Julho 2021

Nem todos os resíduos, que produzimos, podem ser reciclados ou reutilizados, nem todos podem ser incinerados, nem todos podem ser aterrados (pelo menos sem processos de tratamento)

Por ter residido em Estarreja durante largos anos, acompanho, desde o início da década de 90, as discussões e polémicas regionais com a localização de instalações para tratamento de resíduos. Na altura discutia-se no país a construção de uma incineradora de resíduos industriais perigosos, projeto que acabaria por ser abandonado derivado das fortes contestações em, entre outros locais, Estarreja e Souselas.

Desde então fiquei mais atento a esses assuntos enquanto cidadão e autarca, quer acompanhando de perto o “jogo do empurra” na definição das localizações para a construção dos aterros sanitários que substituiriam as inenarráveis lixeiras a céu aberto e, hoje, por motivos profissionais, continuo a acompanhar e a constatar que muito pouco evoluiu o país quando se fala de infraestruturas ligadas aos resíduos. Em “português”, ligadas ao lixo.

A triste realidade é que nem todos os resíduos, que produzimos, podem ser reciclados ou reutilizados, nem todos podem ser incinerados, nem todos podem ser aterrados (pelo menos sem processos de tratamento). A única certeza mesmo é que eles não desaparecem miraculosamente, por mais que tentemos varrê-los para debaixo do tapete de outrem.

Já aqui referi, num dos primeiros artigos que escrevi sobre este tema, que apesar de todos sermos adeptos confessos e fervorosos da reciclagem, da valorização e do tratamento dos resíduos, na realidade não o somos verdadeiramente. Todos reciclamos, todos produzimos poucos resíduos, todos andamos de transportes públicos (havendo disponibilidade do serviço, obviamente). Só que não, nada disto é real ou verdadeiro, como é sabido.

Num artigo publicado, já na década de 90 do século passado, por Michael B. Gerrard, professor na Columbia Law School, o autor ensaiou uma análise relativamente às vítimas do “Not In My Back Yard”, mais conhecido por “NIMBY” – em tradução livre “não no meu quintal” – (coloquialismo usado para caracterizar um certo posicionamento político de comunidade ou de vizinhança de rejeição de determinadas infraestruturas). Já então, identificava o autor que apesar do “NIMBY” ser uma reação marcadamente ambientalista relativamente à construção de infraestruturas como centrais nucleares, fábricas poluidoras, etc., rapidamente se assumiu relacionada, especialmente, com (i) instalações ligadas a resíduos (aterros e incineradoras, por exemplo), mas também com (ii) construção de habitação social ou a custos controlados para classes sociais mais desfavorecidas e, ainda, com (iii) a construção de equipamentos para respostas sociais, como são o caso de centros para pessoas sem-abrigo e para toxicodependentes.

A este propósito constatamos que pouco ou nada se evoluiu nesta matéria. Para tal, basta ver a recente contestação por residentes em freguesias de Lisboa em relação a um projeto de habitação para arrendamento acessível, à criação de uma sala de consumo assistido para toxicodependentes e a um centro para pessoas sem-abrigo.

Adiante. Voltando ao nosso propósito inicial e centrando-nos na política de gestão de resíduos no país, tem sido grande a azáfama, por parte dos municípios de norte a sul, em elaborar estudos (“devidamente” financiados com 2 ou 3 mil euros pelo Fundo Ambiental) para prepararem a recolha seletiva de biorresíduos (restos de comida, verdes de jardins, por exemplo) nos seus territórios, cumprindo a legislação e o desígnio nacional de desvio de aterro desses resíduos, encaminhando-os para unidades de valorização adequadas.

Ora, se os municípios do país se preparam todos para recolher seletivamente esses resíduos terá de existir, a jusante, quem os receba nestas unidades de valorização/tratamento. Se quando ao “quem” a resposta é óbvia e já existe, o problema reside no “onde”. Eis-nos, então, chegados ao cerne da questão e até ao momento resposta alguma foi dada de forma cabal e satisfatória.

Isto leva-nos de novo à nossa já velha conhecida “NIMBY” ou “não no meu quintal”. Nenhum sistema de gestão de resíduos urbanos em alta está preparado para a quantidade de biorresíduos a tratar (o desvio em compostagem doméstica é uma brincadeira de crianças face à dimensão de toneladas que serão recolhidas seletivamente e que precisam de unidades de valorização), sob pena de irem, na mesma, todos ou quase todos para aterro, mas desta vez, em vez de irem misturadas com a fração resto, irão noutro camião (novo em folha) adquirido com o financiamento europeu da “call” respetiva.

A triste realidade nacional indica-nos que, ainda mal resolvidos se encontram os problemas com a localização dos atuais e futuros aterros de resíduos, como são prova as notícias de Valongo, Azambuja ou Vila Franca de Xira, como já temos ecos de casos como o de Baltar, em Paredes, onde já se “afiam as facas” da contestação contra a “fábrica do lixo”, que mais não é que uma unidade de valorização orgânica, que a empresa intermunicipal (constituída pelos municípios do Vale do Sousa) pretende construir nessa freguesia de Paredes. Temo que será assim nos próximos tempos e não apenas em Baltar, uma vez terão de ser construídas várias infraestruturas similares um pouco por todo o país.

Os argumentos são sempre os mesmos. Os outros é que produzem o lixo, ou outros é que se portam mal, logo os outros é que têm de resolver o problema. Argumentos, que têm eles, também sempre uma “inovadora” variável, que passa pela desnecessidade da construção de uma “fábrica do lixo” – como se a unidade que trata os resíduos é que o produzisse em vez dos cidadãos – ou outra coisa qualquer semelhante, pois bastaria simplesmente sensibilizar o sempre sensibilizável cidadão para nem existir sequer qualquer problema. Esta é a declinação avançada e extrema da NIMBY, mais conhecida como a BANANA (“Build Absolutely Nothing Anywhere Near Anyone”). Novamente, em tradução livre “construam absolutamente nada, em nenhum lugar, perto de ninguém”.

Perante tanta BANANA, qual será a resposta da Administração Central quanto a isso? O relógio para 2024 e 2030 já está a contar e não haverá intervalo.

  • Pedro Vaz
  • Jurista, com especialização em Direito do Ambiente, Energia e Recursos Naturais

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