Editorial

Centeno entrou em lay-off político

13 de maio ficará para a história... pelas más razões. O ministro das Finanças entrou em regime de lay-off político, o compromisso possível para manter em aberto a nomeação para o Banco de Portugal.

Às 23h05 desta quarta-feira, desciam as escadas do Palácio de São Bento o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, sorridentes, depois de um reunião para gerir uma crise política em torno de um empréstimo de 850 milhões de euros do Estado para o Fundo de Resolução pagar ao Novo Banco e que foi classificada de “trabalho”. Uma encenação a que só faltou mesmo um abraço para as câmaras, impossível nestes tempos de distanciamento social. Mas o que fica é um ministro das Finanças em lay-off político, para preservar a possibilidade de passar em julho para o Banco de Portugal.

Depois de horas de reunião pela noite dentro, saiu o comunicado da praxe, com juras de amor:

  • “O Primeiro-Ministro reafirma publicamente a sua confiança pessoal e política no Ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno”.

A afirmação só serve para mostrar uma coisa: Mário Centeno já não é ministro das Finanças na prática. Entrou em São Bento para se demitir depois de empurrado publicamente por Marcelo Rebelo de Sousa. Das últimas 48 horas absolutamente loucas, ficou claro que António Costa prometeu o que não poderia ter prometido ao dizer que não haveria qualquer transferência do Estado para o Novo Banco sem os resultados de uma auditoria da Deloitte cujos resultados só chegarão em julho. E que Mário Centeno cumpriu a lei e os contratos como deveria ter cumprido, ao ordenar a transferência no dia 6 de maio. O Estado emprestou 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução para permitir a injeção de capital de 1.035 milhões de euros no Novo Banco relativa aos resultados de 2019.

Na substância, a razão está do lado de Centeno, porque todos já sabiam que o Governo prestou uma garantia de Estado ao fundo Lone Star no valor de 3,9 mil milhões de euros e com um prazo de validade de oito anos. E no Orçamento do Estado para 2020, que foi aprovado em Conselho de Ministros antes de ir para o Parlamento, já estava previsto o empréstimo de 850 milhões de euros. E antes de qualquer transferência, as contas do Novo Banco são alvo de várias auditorias, como ficou claro, aliás, do comunicado conjunto desta reunião (uma vitória de Centeno):

  • Ficou também confirmado que as contas do Novo Banco relativas ao exercício de 2019, para além da supervisão do Banco Central Europeu, foram ainda auditadas previamente à concessão deste empréstimo:
  • Em primeiro lugar, pela Ernst & Young, auditora oficial do banco.
  • Em segundo lugar, pela Comissão de Acompanhamento do mecanismo de capital contingente do Novo Banco, composta pelos Dr. José Bracinha Vieira e pelo Dr. José Rodrigues de Jesus.
  • E ainda pelo Agente Verificador designado pelo Fundo de Resolução, Oliver Wyman.

É por isso incompreensível a promessa de Costa (por ignorância ou por taticismo político) feita por duas vezes no espaço de semanas, mas a resposta de Centeno, primeiro na entrevista à TSF, depois no Parlamento, foi um exercício de contorcionismo político que só serviu para se defender e mostrar quem estava a ser irresponsável.

Assistimos a um debate público sobre a remodelação do Governo. Centeno levou até ao limite a defesa da sua posição, expôs o primeiro-ministro, mas foi depois, ele próprio, exposto a uma situação de enorme fragilidade política quando o Presidente da República, com Costa ao seu lado, também defendeu o incumprimento dos contratos, ao afirmar que a transferência para o Novo Banco deveria esperar pelos resultados da auditoria da Deloitte. O Presidente acelerou um desfecho previsível e que só não acabou mesmo formalmente esta noite de 13 de maio porque vivemos uma pandemia, uma crise económica sem precedentes e porque Costa quer gerir a mudança no seu próprio calendário, logo depois da apresentação do Orçamento Retificativo.

Se Mário Centeno já é um ministro das Finanças em lay-off político, e com data de saída do Eurogrupo, António Costa também sai mal desta crise. Primeiro, foi o seu primeiro e principal responsável, depois porque teve de ceder e pedir a Centeno para ficar em funções. A narrativa oficial é a de que é muito importante o papel de Centeno nas discussões europeias do Plano de Recuperação Europeia, depois no orçamento suplementar. Servem para a encenação política, mas ficam as mazelas políticas, que na verdade já vinham desde as eleições de outubro, quando Centeno fez-se de caro para continuar como ministro e só a presidência do Eurogrupo o motivava.

O Governo entrou em fase de gestão corrente, e neste momento António Costa já estará a definir o que vai ser o Governo no dia seguinte à aprovação do orçamento suplementar, e desejavelmente com uma decisão da União Europeia sobre os fundos para apoiar a recuperação económica nas mãos.

Este desfecho, com uma espécie de rescisão tão amigável quanto possível e a prazo, pode permitir que Mário Centeno acabe a transferir-se para o Banco de Portugal, quando terminar o mandato do atual governador, Carlos Costa. Talvez tenha sido mesmo esta a condição que Centeno pôs em cima da mesa para não bater com a porta e expor o primeiro-ministro e o Governo à demissão de um ministro das Finanças que levou o saldo orçamental ao excedente.

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