Cinco lições que já podemos aprender com a Caixa

As instituições não podem ser arma de arremesso permanente para lá daquilo que é legítimo e razoável no debate político. O calculismo partidário não pode funcionar numa lógica de terra queimada.

O passado da Caixa Geral de Depósitos (CGD) regressou à actualidade. Não será, certamente, a última vez que isso acontece. O que não sabemos é se o apuramento de responsabilidades alguma vez irá acontecer. Se sim, não sabemos como nem quando. Mas com tudo o que já sabemos ao longo de tantos anos já podemos tirar alguns ensinamentos.

A hipocrisia política faz mal às instituições – Foi com sinais de grande choque e espanto que a generalidade da classe política reagiu à divulgação pública do relatório preliminar de auditoria à CGD. Tratou-se de uma de duas: ou farsa, por adivinharem que a opinião pública espera que os responsáveis políticos mostrem elevada indignação a tamanhos escândalos que foram ao bolso dos contribuintes; ou é incompetência, porque se depois de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, quilos de documentos, dezenas de audições, dois livros escritos e publicados (da autoria de Helena Garrido e Diogo Cavaleiro), centenas de notícias ao longo de anos e o acesso privilegiado a informação ainda não sabiam o essencial do que foi noticiado do documento então é porque andam mesmo distraídos.

A verdade é que andamos nisto há anos. Muita discussão política, muita contaminação ideológica, muitas frases feitas mas nada de concreto. Politicamente, há uma evidente falta de vontade em esclarecer uma questão que não vai desaparecer por magia. A grande prejudicada é a própria Caixa Geral de Depósitos que vê o seu nome permanentemente arrastado pela lama, pode ter a confiança que merece ameaçada e não tem paz e sossego para se concentrar na sua actividade.

Para lá dos desmandos políticos, há uma instituição com milhares de trabalhadores, milhões de depositantes, centenas de milhares de empresas e particulares que lá têm os seus créditos. As instituições não podem ser arma de arremesso permanente para lá daquilo que é legítimo e razoável no debate e tomada de decisões políticas. O calculismo partidário não pode ser cego e funcionar numa lógica de terra queimada.

Há virtude e pecado tanto no público como no privado – O combate político é muitas vezes maniqueísta. A forma como as ideologias olham para as empresas e a sua propriedade é um dos campos onde se manifesta essa visão binária. O caso da Caixa mostra que as más práticas, os casos de polícia, a ganância e a irresponsabilidade da gestão paga pelos contribuintes não acontece apenas na banca privada.

Os partidos mais à esquerda têm lidado mal com esta evidência por considerarem que ela contribui para desmontar o mito das virtudes e da superioridade moral do sector público quando comparado com o privado, que tanto gostam de apregoar. Não há regimes de propriedade naturalmente virtuosos ou corruptos. Há é pessoas mais ou menos sérias, tanto no público como no privado. E, no fim do dia, são as pessoas de tomam decisões e praticam o bem e o mal.

No papel, a governança funciona sempre bem – Assembleias gerais, conselhos de administração, comissões executivas, conselhos de crédito, direcções de risco, auditorias internas e externas, reguladores sectoriais e transversais, tutelas políticas, certificação legal de contas, Tribunal de Contas, Inspecção Geral de Finanças… Não é por falta de uma multiplicidade de órgãos e entidades e de modelos de ‘governance’ traçados cientificamente a régua e esquadro por especialistas bem pagos que as coisas falham nas instituições, muitas vezes com estrondo. Estas regras são desenhadas, muitas vezes, para cumprir parâmetros e exigências regulatórias estritamente burocráticas, não tendo depois eficácia nem a aplicação prática que era suposto. Não haverá nunca boa ‘governance’ se os gestores forem desonestos e a driblarem sem consequências.

Sem responsabilização efectiva todos são metidos no mesmo saco – Foram várias dezenas os gestores que passaram pela Caixa no período longo de que estamos a falar, entre 2000 e 2015. Neste momento estão todos dentro do mesmo saco da suspeita. Isso é triste e injusto porque na sua larga maioria são gente responsável, competente, cumpridora e honesta.

Mesmo que as suspeitas mais graves se situem entre 2007 e 2012, estamos certamente a usar injustamente a mesma bitola para pessoas muito distintas. Mas pode ser de outra forma? Sem uma avaliação e responsabilização individual efectiva como sabemos quem fez o quê, de facto?

Mas os que saem injustamente enlameadas nestes processos também têm são, muitas vezes, vítimas de si próprios. Porque perceberam o que se estava a passar e nada fizeram. Porque suspeitaram, mas preferiram ficar na dúvida. Porque preferiram não ter o incómodo – e pagar os custos, muitas vezes – de recusarem ser cúmplices passivos do assalto ao cofre forte.

Paulo Ferreira

Que critérios devemos usar para distinguir, para dar apenas dois exemplos, Armando Vara de Norberto Rosa, duas pessoas de perfis, competências e destinos tão distintos? O pântano do “são todos iguais”, onde todos podem afundar da mesma forma, nasce da falta de diligência no apuramento de responsabilidades concretas e individuais. Mas os que saem injustamente enlameadas nestes processos também têm são, muitas vezes, vítimas de si próprios. Porque perceberam o que se estava a passar e nada fizeram. Porque suspeitaram, mas preferiram ficar na dúvida. Porque preferiram não ter o incómodo – e pagar os custos, muitas vezes – de recusarem ser cúmplices passivos do assalto ao cofre forte. Porque dizer “não” e dar um murro na mesa é aborrecido, inconveniente, é mal visto internamente, vai gerar polémica, vai provocar inimizades. Preferem, muitas vezes, desviar o olhar para não verem, preferem ausentar-se da reunião para não ter que aprovar ou assinar a ter a chatice de se oporem activamente. Esta cultura do “respeitinho”, do “parece mal levantar questões” e das “meias tintas” pode proporcionar boas carreiras enquanto tudo corre bem. Mas é também sobre ela que alastra a impunidade dos atrevidos.

O Estado não pode ser uma excepção na aplicação da Justiça – São três os grandes escândalos bancários que custaram largos milhares de milhões aos contribuintes: BPN, BES e CGD. Entre as várias coisas que os distinguem há uma que é neste momento evidente: só no BPN e no BES já houve arguidos, processados, interditos, mutados, acusados e detidos.

Sim, a Justiça é lenta e, por vezes, revoltantemente ineficaz em relação às percepções públicas que vão sendo formadas. Mas em relação a alguns acontecimentos passados na Caixa há uma década, que podem assemelhar-se ao que se passou no BPN e no BES, ela é, até agora, inexistente. Foi manifesta a falta de vontade do accionista Estado em querer perceber o que por lá se passou e actuar em conformidade. Porque esse accionista foi parte do problema? Sem dúvida. Mas também porque esse accionista pode recorrer compulsivamente a financiadores que pagam sem reclamar ou exigir satisfações: os contribuintes.

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