Como (não) noticiar o racismo

A forma como os média portugueses estão a cobrir os movimentos racistas mostra que não aprenderam nada com o populismo de Trump e a promoção destas ideias nas redes sociais.

Cinco anos depois da ascensão política de Donald Trump, a maioria dos média portugueses fez questão de não aprender nada. A arrogante bolha que se vive em algumas redações impede-os de perceber as consequências das suas ações e o perigo que é dar palco a quem está a minar a sociedade que devem servir. E o caso americano está aí para expor os perigos de continuar a fazer de conta que tudo está como dantes.

Na contabilidade do Washington Post, Donald Trump mentiu mais de 22 mil vezes enquanto Presidente dos Estados Unidos; a isto acrescentam-se mais algumas centenas de instâncias em que usou termos racistas e insultou mulheres e membros de minorias. Ainda assim, os termos mentiroso, racista e misógino são raramente usados sobre o Presidente. Pior ainda: muitas dessas mentiras foram transmitidas em direto, sem contraditório imediato, ajudando a converter audiências e a dividir a sociedade.

Em Portugal estamos mais ou menos no mesmo ponto em que os média americanos estavam em 2016/2017. Ainda sem saber como agir perante a subversão do comportamento dos atores políticos e sociais; ainda presos a princípios defuntos, como a necessidade de ouvir ambos os lados de um problema quando se sabe que alguns problemas só têm um lado. Não há maneira de defender o racismo, a misoginia, o autoritarismo – e quando os média dão espaço a esses defensores estão a ser cúmplices nos crimes contra a comunidade que devem servir. Entrevistar atores políticos que promovem o ódio e dar espaço de opinião a quem o valida só serve para propagar essas ideias e fazer o jogo das redes sociais, que exploram emoções básicas para extremar sentimentos e posições. O resultado é sempre mais extremismo, e esse não serve os interesses dos jornais nem das comunidades em que se inserem.

Quando as televisões portuguesas fazem o favor de transmitir em grande destaque os vídeos feitos pelos cobardes racistas que se filmam de cara tapada, estão a promover essas ações. O filme foi feito para isso mesmo, para servir de conteúdo gratuito promocional dos seus comportamentos – que, sem o destaque dado pelos média, seria largamente ignorado. E as televisões e os jornais cumprem a função de forma exemplar, oferecendo grande destaque aos criminosos em vez de cobrir a substância do problema (o racismo) sem promover os seus autores.

O mesmo com André Ventura: depois de a Cofina ter passado anos a promover a personagem por causa das audiências, transformando-o numa figura nacional, os jornais de referência deram-lhe o destaque que faltava, com as entrevistas da praxe e as coberturas das “manifestações” que vai organizando. E ainda agora muitos meios continuam a tratá-lo como uma figura institucional, validando os comportamentos racistas e os posts do Facebook como se fossem parte do jogo político sério. O grave aqui não é que André Ventura tenha aprendido a cartilha de Trump e siga à risca o manual populista. É que os responsáveis dos media sejam tão ingénuos que não tenham lido essa mesma cartilha e continuem a fazer o seu jogo.

O jornalismo é, pela sua natureza, dado a erros. Em tempos de crise financeira, pior ainda. Claro que há formas de minimizar esses erros os bons jornais fazem-no de forma bastante eficiente, embora não seja possível erradicá-los de forma permanente. O que não deve nunca acontecer é o desprezo pelos interesses e necessidades da comunidade que serve – e quando se promove o ódio é exatamente isso que se faz.

Ler mais: Jay Rosen é um dos melhores e mais ativos críticos do comportamento jornalístico face a Donald Trump. No seu blog PressThink faz uma análise apaixonada dos erros e do que se pode fazer melhor, e neste post sugere como uma organização jornalística se deveria comportar face a Trump. Seria bom que alguns meios portugueses o lessem.

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