CoP 25: Impasse Político vs Dinâmica do Mercado

O texto final da CoP25 fica aquém do expectável. Mas tal não vai colocar o Acordo de Paris em causa, pois o setor privado, setor financeiro e sociedade civil estão mais ativos do que nunca.

Esta CoP 25 tinha como objetivo especifico finalizar o “rulebook” do Acordo de Paris, ou seja, do manual operacional do Acordo de Paris a entrar em vigor em 2020. Para ter este manual finalizado, falta existir um acordo quanto às regras relativas ao mercado internacional de carbono, que ajudará os países na sua descarbonização. No entanto, não houve acordo para estas regras e o consenso foi adiado para 2020. Isto não significa que os objetivos do Acordo de Paris fiquem em stand by. São muitas as empresas e muitos os bancos que estão a desenvolver produtos e serviços verdes. A própria Comissão Europeia tem uma nova visão para a Europa — o Green Deal — que assenta numa economia verde e neutra em carbono para 2050. Mas torna-se claro a dificuldade de conciliar os interesses políticos dos vários países.

Num mercado internacional de carbono, os governos e privados poderão transacionar reduções de emissões de CO2 decorrentes de projetos que possam realizar, e que originem menores níveis de emissões de CO2. Os governos poderão também comprar créditos de carbono para desenvolver projetos verdes que vão baixar as emissões num outro país. Estes créditos podem ser usados pelos países para estes atingirem a neutralidade carbónica. O Protocolo de Quioto tinha definido as regras para estas transações através do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que veio a perder apoio internacional desde os anos 2000 devido a criticas várias associadas à dupla contagem das reduções de emissões, reduções efetivas reduzidas, ausência de benefícios noutras áreas da sustentabilidade, custos de transação elevados e regulação complexa. Com o Acordo de Paris é necessário atualizar este mecanismo para um novo — já denominado de Sustainable Development Mechanism (SDM) — de forma a corrigir as falhas desse mecanismos e melhorar a eficácia de redução de emissões dos projetos. Neste novo SDM é essencial definir um conjunto de regras que impeçam o uso deste mercado de forma individualista, ie, apenas com o objetivo de reduzir emissões no papel e não com projetos concretos.

Alguns dos pontos críticos que não conseguiram consenso na CoP 25 de Madrid, prendem-se com os seguintes aspetos:

  • A China, Índia e Brasil querem que os seus créditos de CDM obtidos aquando o Protocolo de Quioto sejam transferidos para créditos no SDM. No entanto, argumenta-se que esses projetos não respeitam os direitos humanos, que têm uma redução efetiva das emissões muito baixa, além de que representam um volume significativo de reduções de emissões que, transportados para o Acordo de Paris, baixarão ainda mais o nível de reduções efetivo comprometido;
  • As reduções de emissões não podem ser contadas duas vezes, uma vez no país onde o projeto ocorreu e outra no país que comprou os créditos. O Brasil opôs-se a este ajustamento;
  • Garantir que os projetos associados ao SDM não permitam transferências de reduções entre países sem que existam reduções adicionais de emissões de CO2.

Em suma, pretende-se que o SDM seja um mecanismo mais exigente, efetivo, transparente, sem dupla contagem e que inclua apenas projetos que contribuam com reduções adicionais e inseridos no âmbito das contribuições nacionais determinadas de cada país, ou seja, no âmbito dos roteiros de neutralidade carbónica de cada país. Neste sentido, foram lançados os Princípios de San José, subscritos por 31 países, incluindo Portugal. Estes princípios, denominados de San Jose Principles for High Ambition and Integrity in International Carbon Market, identificavam um conjunto de condições que deveriam estar presentes no artigo 6º, para garantir um mercado funcional, estável e duradouro que não comprometa os níveis de ambição nas reduções de emissões necessários. O texto a que se chegou na CoP25 não cumpria estes princípios de forma suficientemente forte e considerou-se que colocava em risco a ambição do Acordo de Paris pelo que não foi possível chegar a acordo, remetendo para mais discussões na CoP26. É necessário mais tempo para negociar.

Apesar deste impasse a nível político, uma grande parte setor privado está cada vez mais ativo na identificação de produtos e serviços que possam contribuir para uma economia neutra em carbono. E porquê?

Os compromissos ambientais atualmente existentes ainda não são suficientes para se evitar que a temperatura média do planeta aumente cerca de 4,8ºC até ao final do século 21. Caso este cenário aconteça, as perdas que se estimam podem atingir os 23 biliões de dólares por ano, colocando a crise financeira de 2007-2008 numa escala bem inferior. Estes danos virão essencialmente da efetiva ocorrência dos riscos físicos associados com desastres ambientais ou manifestações climatéricas mais severas, com impactes nas infraestruturas dos países: cheias, ventos, secas, fogos, etc.

Na realidade, de acordo com a comissão europeia, entre 2000 e 2016, as catástrofes relacionadas com o clima verificadas anualmente a nível mundial aumentaram 46%, e as perdas económicas resultantes de fenómenos meteorológicos extremos a nível mundial aumentaram 86 % entre 2007 e 2016 (117 mil milhões de EUR em 2016). Também o Governador do Banco de Inglaterra, Mark Carkey, já afirmou que desde 1980 as perdas das seguradoras por estes eventos aumentou de uma media anual de 10 mil milhões para 50 mil milhões de dólares na última década.

Nos EUA, de 2016 a 2018, os 45 desastres naturais que ocorreram implicaram perdas anuais económicas de 150 mil milhões. Valores bastante superiores aos verificados entre 1980 e 2019, cujas perdas médias anuais decorrentes de desastres naturais rondou os 50 mil milhões.

Também a Economist Intelligence Unit’s Climate Change Resilience Index lançou em novembro um estudo sobre a forma como as maiores 82 economias estão preparadas para lidar com um aumento de temperatura. Concluiu que as alterações climáticas poderão ter um custo direto na economia mundial de 7.9 biliões de dólares até 2050, o que corresponde a um crescimento negativo de 3% do PIB mundial. Estes custos devem-se ao aumento da seca, inundações, produções agrícolas instáveis e danos nas infraestruturas. Serão os países mais pobres onde o impacte negativo no PIB mais se fará sentir: Angola com uma redução de 6.1%; Nigéria com 5,9%; Egipto 5,5%.

Torna-se assim evidente que existe uma relação direta entre desastres e desequilíbrios ambientais e danos económicos e financeiros. Esta ligação é reconhecida pelo Financial Stability Board e pelos Bancos Centrais de muitos países que afirmam que as alterações climáticas constituem um risco financeiro e, como tal, podem ser vistas como um risco sistémico para o setor financeiro.

Enquanto que as negociações políticas estavam presas no impasse já referido, dezenas, ou mesmo centenas, de side events ocorreram nas duas semanas da CoP sobre o papel do financiamento nas alterações climáticas, quer na ótica da gestão do risco, quer na ótica do investimento. O número de investidores e de bancos que quer marcar a sua posição nesta nova abordagem de banca tem crescido. As ferramentas e metodologias para medir a pegada carbónica dos empréstimos dos bancos já estão disponíveis. A Associação Espanhola de Bancos conseguiu que cerca de 20 bancos concordassem em alinhar as suas políticas de crédito e investimento com a neutralidade carbónica do Acordo de Paris.

Já em setembro, 33 bancos internacionais que totalizam 47 biliões de dólares de ativos subscreveram os Princípios da Banca Responsável, cujo primeiro princípio incide sobre o alinhamento da política de investimento do banco com o Acordo de Paris e os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável. Também os gestores de ativos com um total de 4 biliões de ativos sob gestão se comprometerem em alinhar os seus portfólios com os objetivos de aumento de 1,5ºC definido pelo Acordo de Paris.

O texto final da CoP25 fica aquém do expectável porque as negociações entre os países não permitiram alcançar um consenso que salvaguardasse os diferentes interesses em jogo, e tal ambição foi adiada para o ano que vem.

No entanto, parece que o “mercado” está a reconhecer as potenciais perdas e danos financeiros que podem ocorrer, devido às alterações climáticas, e muitos dos players do setor financeiro estão a assumir uma pró atividade significativa nestes temas.

Tendo passado dois dias na CoP, fiquei com o sentimento de que os consensos políticos precisam de mais tempo, mas tal não vai colocar o Acordo de Paris em causa, pois o setor privado, setor financeiro e sociedade civil estão mais ativos do que nunca.

  • Economista especializada em sustainable and climate finance

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