
Coração Independente
O que representou e deve continuar a representar Amália Rodrigues? Que as coisas, quando têm força, são sentidas pelas pessoas todas.
Devia haver uma disciplina, por volta do quinto ou sexto ano de escolaridade — que é quando as nossas cabeças ainda são muito boas e utópicas –, chamada “Amália Rodrigues”.
Um grande ministro da Cultura, na falta de um bom programa de mecenato cultural e de dinheiro e de ideias no e para o país, deveria aproveitar para ficar na nossa história desta maneira (não estou a cobrar assessoria) e, de caminho, carregar o ministro da Educação ao colo e, com isso, também mostrar o que é saber partilhar méritos. JP Simões, contrariando a canção, quero crer que existem pessoas de bom coração nascidas na década de setenta do século passado.
O que representou e deve continuar a representar Amália Rodrigues? Que as coisas, quando têm força, são sentidas pelas pessoas todas. Que não vale a pena ser fake, que todos os dias temos de saber ir viver a vida entre a tristeza mais profunda e a alegria mais simples, que a Beleza anda sempre ligada ao Bem, que as pessoas devem saber resistir, lutar, enfrentar más condições de vida, amores trágicos, hipocrisia. Que se pode ter sido bordadeira e vendedora na Praça da Figueira e não morrer de vergonha disso a vida inteira.
Que podemos decidir festejar o dia do nosso aniversário no dia que queremos (a acrescentar à mitologia, ninguém sabe ao certo o dia do seu nascimento), que podemos ser “garota propaganda” do Estado Novo, ter como principal mecenas um banqueiro e mesmo assim fazer donativos, às escondidas, ao Partido Comunista Português. Porque “O que é preciso é ter coração, sem coração não se faz nada”. E não.
Ao longo da vida, saber que temos a Amália, ouvir a Amália quando precisamos, é um conforto. A voz dela eleva-nos sempre a outro patamar, aquele que nos deixa ao nível dos arrepios. Não há nada abaixo do exemplar no seu reportório, nas letras que escolheu, no que preferiu cantar e não cantar para nos explicar, através do Fado. Se nós temos uma alma, a voz dela é o que melhor a explica. Se alguma vez fomos e somos heróis é na seleção rigorosíssima dos poetas que ela escolheu cantar e na forma como eles nos falam em muitas coisas que reconhecemos e nos unem em Lisboa, no Porto, em Elvas… Em Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, Rússia e até nesse outro planeta dos animé que é o Japão.
Ao contrário de tantos escritores, cantores, atores, filósofos, poetas, que admiramos porque não conhecemos, a pessoa e a sua filosofia de vida estavam inteiras na cantora que ouvimos É isso que é tão mágico. Devíamos todos ter orgulho de dizer: “Andei ao colo da Amália quando tinha cinco anos”.
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