Desalojar ideias

A quota-parte de responsabilidade do alojamento local no comportamento dos preços da compra e arrendamento de casas é matéria que ainda está por investigar empiricamente.

Agora que o Verão começou (no calendário, pelo menos), muitos serão os portugueses já a pensar nas férias. Segundo um estudo do IPDT, a maioria deles irá passar sete noites fora de casa. E muitos deles passá-las-ão numa casa arrendada no Algarve, que continua a ser o principal destino do turismo interno, recebendo 2,5 hóspedes portugueses por cada residente.

É uma prática comum há anos, mas, a partir de 2008, passou a ter a designação de alojamento local, fruto de uma legislação que foi pioneira e que tem sido tomada como boa referência. Isso mesmo disse a Secretária de Estado do Turismo, na passada Terça-feira, quando esteve no Parlamento a falar sobre alojamento local.

Naquela que foi a última audição no âmbito do grupo de trabalho sobre o tema, Ana Mendes Godinho sugeriu que não se diabolizasse o alojamento local. Mesmo não sendo economista, mostrou perceber que as medidas destinadas a corrigir as externalidades negativas do sector (que reconheceu existirem, embora concentradas em algumas freguesias de Lisboa e do Porto) devem ser sujeitas a uma análise custo-benefício. Quer dizer, na verdade, não são precisos conhecimentos de Economia para se chegar a esta conclusão, basta bom senso.

E bom senso foi algo que faltou ao IAVE. Uma das questões do exame de Geografia citava um excerto publicado num jornal, provavelmente oriundo de um artigo de opinião, em que se afirmava “As taxas de ocupação dos alojamentos locais para fins turísticos, nos centros históricos de Lisboa e do Porto, são muito elevadas, o que tem gerado uma sobrevalorização imobiliária”. Eu li o parágrafo, conforme instruída, e depois fui ver o que era perguntado, na esperança de encontrar um apelo a uma reflexão crítica sobre aquilo que era dito. Nada.

Como já aqui escrevi, num ambiente de crescimento económico acompanhado de taxas de juro muito baixas, a subida de preços no mercado imobiliário era totalmente expectável. Não estou com isso a dizer que o alojamento local não tem qualquer impacte. Faz sentido que tenha. Directamente, porque se constitui como procura rival para as habitações. Mas também porque foi importante na reabilitação de certas zonas, que se viram assim valorizadas. E, ainda, porque é uma actividade geradora de riqueza e de emprego.

(A este propósito, um pequeno parêntesis para notar que não existe nenhuma incoerência entre estar muito indignado com o encerramento da pastelaria Suíça e não pôr lá os pés, mas um negócio, ainda que pague rendas muito baixas, não sobrevive se não tiver clientes. Ora, muitas das lojas, com ou sem tradição, têm tido nos turistas os seus melhores, se não quase únicos, clientes. É conveniente lembrar.)

Bem sei que a Geografia não se dedica ao estudo do funcionamento dos mercados, pelo que não se lhe pede que compreenda os factores que influenciam a oferta e a procura de imóveis. Mas de qualquer cientista social espera-se que saiba que o estabelecimento de relações de causalidade faz uso da Estatística. Ora, a quota-parte de responsabilidade do alojamento local no comportamento dos preços da compra e arrendamento de casas é matéria que ainda está por investigar empiricamente (não confundir “estudo empírico” com eu-saio-de-casa-dou-três-voltas-no-meu-bairro-e-sei). Em todo o caso, não será a única variável com poder explicativo.

Uma visão menos benevolente que a minha encontra na escolha do IAVE doutrinação. Eu prefiro não crer que se veiculou uma posição numa altura em que o alojamento local faz parte da agenda política. Aliás, o tema nem é o que essencialmente me preocupa. Grave é que o instituto responsável pela avaliação educativa promova, ao tacitamente subscrever um texto como factual quando ele carece de factos, uma atitude pouca científica numa disciplina que é de Ciência. Resta-me desejar que dentro da sala de aula não hajam sucumbido ao “achismo”.

Nota: Vera Gouveia Barros escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.

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