Desigualdade na distribuição da riqueza diminui em Portugal. Pareto 80/20

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 5 Setembro 2025

O economista Vilfredo Pareto constatou no século XIX, que cerca de 20% da população detinha 80% da terra ou da riqueza. Mas terá essa desigualdade na distribuição da riqueza diminuido hoje?

O economista italiano Vilfredo Pareto constatou, no século XIX, que cerca de 20% da população detinha aproximadamente 80% da terra ou da riqueza. Mas terá essa desigualdade na distribuição da riqueza diminuído substancialmente nos dias de hoje? À primeira vista, tal concentração pode parecer uma enorme injustiça. No entanto, é essencial distinguir entre desigualdade na distribuição do rendimento — que inclui salários, juros, rendas e lucros — e desigualdade na distribuição da riqueza propriamente dita.

Os 20/80 observados por Pareto deveriam ser 20/20 num mundo idealizado por alguns? Nesse cenário, não existiria desigualdade e os 80% mais pobres deteriam a mesma riqueza que os 20% mais ricos, ou seja, uma igualdade perfeita. Seria, à primeira vista, um mundo admirável! No entanto, a riqueza acumulada nunca permaneceria igualmente repartida. Mesmo que, utopicamente, houvesse igualdade absoluta na distribuição do rendimento (índice de Gini igual a zero) — e ignorando os problemas que surgiriam, já que aqueles que trabalham arduamente, ao verem o fruto do seu esforço partilhado com quem, por escolha e apesar de saudável, não quer trabalhar, tenderiam também a deixar de trabalhar — essa igualdade seria apenas momentânea. Isto porque as pessoas têm comportamentos distintos, e há quem poupe mais e há quem opte por consumir mais, o que inevitavelmente conduz a diferenças na acumulação de património ao longo do tempo. É matemática: assim como a igualdade perfeita é uma utopia que se desmonta por si mesma, a desigualdade que premeia quem se esforça é o verdadeiro motor do crescimento económico e de um mundo melhor para todos.

No tempo de Pareto, os salários representavam uma fatia menor do PIB, justificando uma elevada desigualdade na distribuição do rendimento. Atualmente, é verdade que a distribuição do rendimento — sobretudo em termos salariais — é mais equilibrada (com exceção das últimas décadas, em que o peso dos salários tem diminuído no PIB), mas será que o mesmo se pode afirmar quanto à concentração da riqueza? O chamado princípio de Pareto, ou regra 80/20, foi originalmente formulado para descrever a distribuição de riqueza e não de rendimento. O certo é que, embora não se verifique de forma exata em todos os contextos, a regra de Pareto continua a refletir a realidade de muitos países quando se fala de património acumulado.

Em alguns casos, a desigualdade é menos acentuada, ou seja, é relativamente moderada, mas raramente desce abaixo de 20/65, como acontece na Holanda, que apresenta a distribuição de riqueza mais equilibrada do mundo, de acordo com números do World Inequality Database (WID.world) de 2021. Enquanto isso, noutras regiões, sobretudo em países marcados por forte concentração de recursos naturais valiosos, economias frágeis e governos instáveis ou pouco credíveis, a desigualdade atinge extremos como 20/95, caso da África do Sul, o país com a distribuição de riqueza mais desigual do mundo.

Mesmo em países com menor desigualdade salarial, como os países escandinavos, a desigualdade na distribuição da riqueza mantém-se acima de 20/70. Isto acontece porque, para além dos salários, existem outros rendimentos importantes, como rendas, juros e lucros. Nestes países, uma parte significativa da população vive em casas arrendadas, não sendo proprietária da sua habitação, o que significa que não acumula património imobiliário e, pelo contrário, transfere parte do seu rendimento para os proprietários, aquando do pagamento da renda, reforçando a concentração da riqueza.

Na Dinamarca, por exemplo, apenas cerca de 58% da população vive em casa própria e os 20% mais ricos concentram 71% da riqueza total (20/71). Em Portugal, pelo contrário, cerca de 76% da população é proprietária da sua habitação e os 20% mais ricos detêm 71,8% da riqueza, um valor relativamente mais baixo do que o do princípio de Pareto (20/80), mas próximo ao da Dinamarca. A diferença é que, em Portugal, a menor participação em investimentos financeiros é compensada pela elevada aposta no imobiliário. . O elevado nível de propriedade habitacional em Portugal reduz a despesa com rendas e contribui para a acumulação de património próprio, evitando que parte do rendimento seja transferida para que outro possa acumular riqueza.

Além disso, tal como noutros países ricos, relativamente ricos, economias avançadas, como os países europeus, e a Dinamarca é também um exemplo disso, há uma parte de pessoas com bens herdados — desde propriedades a empresas — que lhes permite receber rendas e lucros, aumentando assim a sua capacidade de acumulação de riqueza ao longo do tempo. Adicionalmente, em qualquer sociedade, mesmo onde os salários sejam relativamente mais semelhantes, ou seja, menos desiguais, as pessoas não têm comportamentos idênticos. Há quem poupe mais e há quem gaste mais. Esta diferença de comportamentos, aliada aos rendimentos provenientes de património, é mais uma justificação para que a acumulação de riqueza acabe por apresentar níveis elevados e ainda hoje tender para o padrão 20/80 de Pareto. É a matemática.

A Curva da desigualdade/igualdade da distribuição de riqueza e a curva de Laffer

A relação entre desigualdade da distribuição da riqueza, coesão social e prosperidade pode ser representada através de uma curva em “U invertido”, uma analogia à conhecida Curva de Laffer aplicada aos impostos. Nos extremos, o resultado é sempre negativo. Na igualdade absoluta (20/20), a prosperidade é nula. Uma situação utópica, em que todos detêm exatamente a mesma fatia da riqueza, desaparecendo os incentivos à inovação, ao risco e ao investimento, conduzindo inevitavelmente ao declínio económico. No outro extremo, a desigualdade extrema (20/100) significa a concentração total da riqueza nas mãos de uma pequena minoria. Nesse cenário, a esmagadora maioria da população não tem estímulos para produzir, empreender ou poupar, tornando o sistema igualmente insustentável e conduzindo igualmente ao colapso económico e social.

À medida que a desigualdade aumenta, cresce também o incentivo à criação de riqueza até se atingir um ponto ótimo, tal como acontece na arrecadação fiscal representada pela Curva de Laffer. Uma desigualdade moderada é positiva, pois premeia o esforço e o mérito, estimula o investimento e incentiva o trabalho e a acumulação de riqueza. Todavia, quando a desigualdade é excessiva, o efeito inverte-se, passando a ser contraproducente. A concentração de recursos fragiliza a mobilidade social, mina a coesão social, destrói a confiança entre cidadãos e instituições e acaba por penalizar o crescimento económico, tal como do mesmo modo que taxas de imposto demasiado elevadas acabam por reduzir em vez de aumentar a receita fiscal.

Por exemplo, na Suíça apenas cerca de 40% das famílias têm casa própria, o que contribui para que os 20% mais ricos concentrem quase 80% da riqueza (20/78, enquanto o índice de Gini do rendimento disponível era de 31,5% em 2023, de acordo com números do Banco Mundial). Além disso, a fiscalidade favorável sobre heranças, a atração de grandes fortunas estrangeiras e o peso do setor financeiro reforçam ainda mais essa desigualdade da distribuição de riqueza. Já na Holanda (cerca de 70% da pulação é proprietária de casa própria, e o rácio da distribuição de riqueza é de 20/65) e na Bélgica (72 a 75% de proprietários, rácio 20/66, os 20% mais ricos detêm 66% da riqueza), a elevada taxa de propriedade dispersa melhor o património imobiliário, enquanto uma maior redistribuição fiscal e menor concentração financeira tornam estas sociedades mais igualitárias.

Os dados disponíveis do World Inequality Database, em 2021 (e para Portugal dados do BCE, 1º trimestre de 2025), sugerem que este ponto ótimo, pelos menos academicamente, possa estar em torno de um rácio de 20/65, isto é, quando os 20% mais ricos detêm cerca de dois terços da riqueza total. É aí que talvez se atinja o equilíbrio entre dinamismo económico e coesão social. Países como a Holanda (20/65) ou a Noruega (20/70) aproximam-se desta zona ideal, combinando prosperidade elevada com sociedades coesas e estáveis. Em contrapartida, realidades como a de Angola (20/89) ou da África do Sul (20/95) evidenciam como a desigualdade extrema mina a coesão social e trava a prosperidade.

Curiosamente, valores da Escandinávia são semelhantes aos de vários países da África Subsaariana, embora por razões e em contextos completamente distintos, dado que os países nórdicos da Europa são países ricos, enquanto aquela região africana é das mais pobres do mundo. Assim, em muitos países da África Subsaariana — frequentemente próximos de rácio 20/70 — as sociedades parecem mais igualitárias, mas apenas porque não existe riqueza para distribuir ou acumular. Nesta região africana, quase se pode afirmar que até os ricos são pobres, tal é a escassez geral de recursos, ou seja, mesmo os mais ricos possuem pouca riqueza absoluta quando comparados aos restantes países. Já em Angola, 20% da população detém 89% da riqueza (20/89), enquanto a esmagadora maioria do povo tem de repartir apenas 11% da riqueza, uma realidade transversal a vários países africanos com recursos naturais abundantes.

A diferença entre distribuição do rendimento e distribuição da riqueza

É importante sublinhar que um índice de Gini da ordem dos 65,3%, quando falamos de distribuição da riqueza, não pode ser considerado elevado. A razão é simples: mesmo que todos os indivíduos auferissem rendimentos iguais — situação em que o Gini do rendimento seria zero — a distribuição da riqueza nunca poderia ser perfeitamente igualitária.

As diferenças surgem logo nos hábitos de poupança e consumo: uns gastam mais, outros poupam mais. Entre os que poupam, há ainda diferentes posturas face ao investimento: alguns são mais arrojados, dispostos a correr riscos em ações de empresas cotadas em bolsa ou imóveis. Outros preferem soluções conservadoras, como obrigações ou depósitos a prazo. Além disso, mesmo quando duas pessoas poupam de forma idêntica e investem em ativos semelhantes, os resultados não são iguais. Fatores como o momento da entrada nos mercados financeiros, a diversificação e até a sorte acabam por gerar trajetórias distintas de acumulação.

A estes elementos acrescem ainda as heranças e transferências intergeracionais, que reforçam inevitavelmente as disparidades patrimoniais. Por isso, modelos como 20/20 (igualdade perfeita) ou até 20/30 ou 20/50 são utópicos quando o que está em causa é a riqueza. Mesmo 20/60 já representa talvez demasiada igualdade que impede a prosperidade e a perceção de reconhecimento de quem trabalha e se esforça. Uma distribuição como 20/71,8, caso de Portugal, atualmente, números do BCE para o primeiro trimestre de 2025, ou mesmo 20/80, o rácio de Pareto, reflete eventualmente uma acumulação natural e normal da riqueza, dentro da volatilidade expectável das sociedades reais.

Cálculo do índice de Gini na distribuição do rendimento em Portugal (remunerações função pública 2021)

No gráfico da curva de Lorenz com quintis, as áreas são determinadas através da fórmula do trapézio, aplicando-a a cinco trapézios.

Por exemplo, no caso do último quintil (o dos funcionários públicos com rendimentos mais elevados), a área corresponde a 16,1 pontos percentuais. Este valor pode ser confirmado visualmente pela contagem dos retângulos no gráfico. Para o obter, somam-se as duas bases do trapézio (após rotação de 90 graus) — neste caso, 100% e 61% —, multiplicando o resultado pela altura de vinte pontos percentuais (correspondentes ao intervalo 100%–80%, a diferença de 100-20), e dividindo por dois. Importa notar que apenas metade do retângulo total (composto por 100 pequenos retângulos) é considerada.

Seguindo esta metodologia, a soma das áreas abaixo da curva de rendimentos, resultante dos cinco quintis (16,1; 9,8; 5,6; 2,7; 0,8, em diferentes tonalidades de cinza), é igual a 35. Como este valor representa 35% da área do retângulo total, e dado que o índice de Gini mede a área entre a reta da igualdade de rendimento e a curva da distribuição acumulada dos salários da função pública (a área a preto), aplica-se a seguinte relação:

Índice de Gini = 1−2×Área abaixo da curva de rendimentos

Neste caso, 1 – 2 × 0,35 = 0,30.

De facto, a área a preto corresponde à desigualdade representada no gráfico. Como essa área está limitada à metade inferior do quadrado da curva de Lorenz, o índice de Gini obtém-se multiplicando esse valor por 2, dado que a área total abaixo da reta da igualdade corresponde a 50% do quadrado. Assim, uma área a preto de 15% traduz-se num índice de Gini de 30%.

Quanto maior for essa área a preto, maior será a desigualdade e, consequentemente, maior o índice de Gini. Se a área for nula, então todos auferem o mesmo rendimento e não existe desigualdade (Gini igual a zero, situação utópica). No extremo oposto, se o Gini fosse de 100%, isso significaria que uma única pessoa deteria todos os rendimentos, enquanto o resto da população não auferiria absolutamente nada.

Considerando o segundo gráfico, construído com os 10 decis e alguns vintis, o índice de Gini obtido é de 31,7%, o que indica uma desigualdade moderada. Estes dados referem-se às remunerações da Função Pública em 2021, cuja distribuição tende a ser mais homogénea. Para o conjunto das remunerações em Portugal, o índice de Gini é ligeiramente mais elevado, refletindo a maior discrepância existente no setor privado, estando entre 32 e 34%.

Neste segundo gráfico, o traçado deixa de se aproximar de uma reta entre pontos e ganha gradualmente a forma de uma curva, o que tende a aumentar a desigualdade medida, ainda que ligeiramente, já que cresce a área entre a reta da igualdade e a curva das remunerações (curva de Lorenz). À medida que se acrescentam mais pontos (isto é, mais observações), a variável deixa de ser tratada como discreta e passa a contínua, tornando necessário recorrer ao cálculo através de integrais para determinar a área abaixo da curva de rendimentos.

 

Tal como o algodão, a matemática não engana

A concentração da riqueza nos mais ricos dos mais ricos pode ser estimada através de extrapolações matemáticas que, mesmo simplificadas, não deverão andar muito longe da realidade. Em Portugal, por exemplo, partindo do rácio 20/71,8, podemos inferir que dentro dos 20% mais ricos, um quinto dessa população controla cerca de 71,8% da riqueza, e assim sucessivamente. Em Angola, a situação é extrema. Um pouco mais de duas mil pessoas concentram metade de toda a riqueza do país. Mesmo na Holanda, o país com a distribuição de riqueza mais igualitária do mundo, pouco mais de mil pessoas detêm quase 10% da riqueza nacional.

É difícil de acreditar? Não. É a realidade dos números, e a matemática, tal como o algodão, não engana.

Se, em sentido inverso, a igualdade fosse levada ao extremo — por exemplo, se os 20% mais ricos detivessem apenas 60% ou mesmo 50% da riqueza — tal poderia representar um travão significativo à prosperidade e ao crescimento económico. Uma desigualdade moderada é um dos motores do desenvolvimento, do progresso e da criação de riqueza, pois assenta na liberdade, incentiva o esforço e premeia o mérito. A diferenciação deve ser reconhecida. Quando, pelo contrário, se impõe uma igualdade artificial, o resultado não é prosperidade partilhada, mas apenas distribuição de pobreza por todos.

O Princípio 80/20: Esforço e Resultado

A lógica de Pareto pode também ser vista em termos de esforço e resultado. Muitas vezes, 20% do esforço é responsável por 80% do resultado, enquanto os restantes 80% acrescentam apenas 20% de valor. Este princípio, observado em várias áreas — economia, produtividade, gestão — mostra como a distribuição de impacto e retorno raramente é linear. Quando 80% do esforço gera apenas 20% do resultado, é altura de reavaliar prioridades, cortar desperdícios e concentrar recursos naquilo que realmente acrescenta valor.

 

 

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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