

Distribuição exclusiva e concorrência – o caso do queijo que dividiu o mercado
Segundo o TJUE, a simples constatação de que nenhum outro distribuidor realiza vendas ativas no território exclusivo não é suficiente para demonstrar que existe um acordo de proibição de vendas ativas
Numa distribuição exclusiva de base territorial, cada distribuidor é protegido relativamente às vendas ativas de outros distribuidores, ou seja, relativamente a abordagens diretas e proativas que estes últimos façam aos clientes situados no território atribuído em exclusivo. Deverá essa proteção ficar expressamente prevista? Se sim, como, onde e perante quem? Numa decisão recente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) esclarece que a proteção de um distribuidor exclusivo contra a “concorrência ativa” de outros distribuidores depende da obtenção prévia, pelo fornecedor, do acordo de todos os seus restantes distribuidores quanto a essa proteção específica.
O processo chegou ao TJUE no âmbito de um litígio que opõe a Beevers Kaas, distribuidora exclusiva do queijo Beemster no território da Bélgica, à cadeia de supermercados Albert Heijn, acusada de violar o exclusivo territorial da Beevers Kaas, ao vender o aludido queijo – adquirido diretamente ao produtor nos Países Baixos -, nos seus supermercados na Bélgica.
A Albert Heijn defendeu-se, argumentando ser vítima de limitação à revenda, proibida pelas regras de concorrência. Isto, na medida em que não tinha sido provado que o fornecedor do produto em causa tivesse colhido o acordo dos demais distribuidores quanto a essa proibição de “vendas ativas”, ou seja, quanto ao benefício do exclusivo territorial concedido à Beever Kaas.
Uma vez que nenhum outro distribuidor realizava vendas na Bélgica, a questão que se colocou perante o TJUE foi a de saber se essa ausência de vendas servia para demonstrar que os mesmos tinham dado o seu acordo à proibição de vendas ativas, ou se seria necessário algo mais.
Segundo o TJUE, a simples constatação de que nenhum outro distribuidor realiza vendas ativas no território exclusivo não é suficiente para demonstrar que existe um acordo de proibição de vendas ativas com todos os distribuidores.
Pelo contrário, é necessário mostrar:
- por um lado, que o fornecedor convidou todos os outros distribuidores a não realizarem vendas ativas no território exclusivo, podendo o convite assentar em comunicações de índole diversa – por exemplo, comunicação expressa ao distribuidor com essa finalidade, a inserção de uma cláusula nas condições contratuais gerais, entre outras.
- por outro lado, que esses distribuidores aceitaram o convite, explícita ou tacitamente.
Neste contexto, a ausência de vendas ativas no território exclusivo funcionaria como um indício, insuficiente, em si mesmo, para provar o acordo.
Esta decisão do TJUE vem confirmar que a proteção concedida por um acordo de distribuição exclusiva não se basta com a definição contratual de um território concedido em exclusivo a um distribuidor, exigindo algo mais – concretamente, o reconhecimento, por parte dos restantes distribuidores, dessa restrição de vendas.
Embora possa parecer à primeira vista paradoxal que a conformidade de um acordo com as regras da concorrência dependa de o mesmo conter (auto)limitações à atuação dos agentes económicos (o que é diferente, diga-se, de limitações à concorrência), o propósito da regra é, justamente, o de assegurar efeito útil à exclusividade concedida e, com isso, garantir que o acordo em causa confere ao distribuidor exclusivo, assim protegido, incentivos reais para investir nas suas atividades de venda no território exclusivo, evitando que um tal sistema se converta, afinal, em mero expediente para a compartimentação de mercados, sem eficiências associadas.
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