Energias renováveis: contra ou a favor da natureza?

  • Afonso do Ó
  • 5 Julho 2023

Não obstante serem renováveis e emitirem muito menos GEE do que as outras fontes energéticas, estas energias também têm outros impactos ambientais significativos.

A transição das economias mundiais para novas fontes de energia renovável em detrimento dos combustíveis fósseis é uma tendência incontornável e inquestionável do mundo atual. Nos países europeus, é também uma aposta política largamente apoiada por vastos setores da sociedade, dos cidadãos às empresas, passando pelos decisores políticos. É nesse contexto que a Comissão Europeia lançou o Pacote Objetivo 55 (Fit for 55) para atingir 55% de redução de emissões líquidas de gases de efeito de estufa (GEE) até 2030 em comparação com os níveis de 1990. Além disso, este Pacote inclui metas que combinam a expansão da energia renovável com um aumento expressivo na eficiência energética e com uma forte redução do consumo final de energia.

Em Portugal, as energias renováveis representaram 34% do consumo final bruto de energia e 58% da produção de eletricidade. Apesar das centrais hidroelétricas (barragens) continuarem a ter o maior peso, esta chamada “transição energética” tem estado assente sobretudo numa expansão acelerada dos parques eólicos e fotovoltaicos, que representam já 37% e 11 % da potência renovável instalada.

Não obstante serem renováveis e emitirem muito menos GEE do que as outras fontes energéticas, estas energias também têm outros impactos ambientais significativos: ocupam bastante espaço, cada vez mais – e com isso podem destruir, fragmentar e transformar o solo, a biodiversidade, a paisagem.

De acordo com um estudo recentemente publicado pela Amnistia Internacional, o critério para a localização destes parques (nomeadamente os fotovoltaicos) tem sido a proximidade a linhas de alta tensão, que possam injetar a energia produzida na rede a baixos custos, descurando impactos sociais e ambientais.

Casos como o da nova estação fotovoltaica prevista para Estoi, no Sotavento Algarvio, são tão sintomáticos como inadmissíveis: aqui, prevê-se que a implementação aconteça sobre a REN (Reserva Ecológica Nacional, destinada a salvaguardar áreas ecologicamente sensíveis), em área de infiltração máxima e sobre um dos principais e mais debilitados aquíferos da região – aliás. um dos poucos cuja superfície não está maioritariamente artificializada pela urbanização ou pela agricultura intensiva.

Há vários anos que as Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGAs) têm vindo a chamar a atenção para a necessidade de se estabelecer um quadro normativo claro e inequívoco sobre as restrições a estabelecer para a instalação destes parques, no âmbito dos instrumentos de gestão e ordenamento do território. Nessa linha, devem à partida ser excluídas áreas de conservação (Rede Natura 2000) e definidas como prioritárias áreas urbanizadas (topo de edifícios, de parques de estacionamento, etc.) e áreas de baixo valor ecológico (por exemplo, que não sejam de infiltração máxima, que tenham baixa aptidão agrícola). Em geral, deve ser defendido o princípio de exigência de um Estudo de Impacte Ambiental, o que atualmente só acontece para parques acima dos 100 hectares de área de implantação.

Não precisamos apenas de energia limpa de emissões de GEE. Também precisamos de solos, água, biodiversidade – e a transição energética não se pode fazer agravando o declínio da biodiversidade e degradação dos ecossistemas, que tanto ameaçam o nosso futuro coletivo.

Também no mar, com as renováveis offshore, importa desde já estabelecer critérios para a definição das áreas preferenciais de implantação destas infraestruturas (go-to areas) se queremos realmente promover uma transição energética justa para o ambiente e para as pessoas.

Desta forma, estas ONGAs propõem a exclusão dos planos para o desenvolvimento da energia eólica offshore de áreas para a proteção ambiental (p.e. Sítios da Rede Natura 2000, Áreas Marinhas Protegidas), áreas com alto valor ecológico (p.e. sapais, pradarias marinhas) e áreas atuais e futuras para restauro ambiental. Além disso, deverá ser obrigatória a existência de estudos de impacte ambiental, monitorização e utilização de instrumentos do Ordenamento do Espaço Marítimo, além da inclusão de critérios não económicos no processo de seleção de projetos de energia renovável offshore. Mais ainda: é imperativo o envolvimento dos utilizadores do espaço marítimo logo desde o início, evitando conflitos e minimizando os impactos sócio-económicos que este tipo de projectos poderá ter ao excluir, por exemplo, as atividades de pesca desses locais. Por outro lado, há que considerar que o transporte de eletricidade do mar para terra terá de ser feito de forma energeticamente eficiente, minimizando os impactos sobre os ecossistemas marinhos e áreas sensíveis e aproveitando as redes de transporte de eletricidade de muito alta tensão já existentes.

Nesta corrida para descarbonizar os nossos sistemas energéticos, não podemos esquecer que o objetivo subjacente a esta transição energética é parar a degradação do meio ambiente, em benefício da natureza e das pessoas. O desenvolvimento das energias renováveis deve progredir com respeito pela conservação da natureza e de acordo com as capacidades ecológicas dos ecossistemas, de forma a providenciar soluções sustentáveis e realmente efetivas para combater a crise ecológica, que é climática e da biodiversidade.

  • Afonso do Ó
  • Especialista em Água e Clima da ANP|WWF

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