Entre a Prudência e a Ambição

  • Nuno Oliveira Matos
  • 10:55

Após estudar a revisão da Solvência II, Nuno Oliveira Matos considera que a prudência regulatória, tantas vezes vista como obstáculo, pode finalmente tornar-se fonte de vantagem competitiva.

A revisão da Diretiva de Solvência II, a Solvência 2.1, publicada em janeiro de 2025, foi recebida com um misto de alívio e inquietação. Alívio porque corrige distorções que a indústria há muito identificava; inquietação porque expande, de forma silenciosa, mas profunda, a fronteira da responsabilidade na gestão de investimentos das empresas de seguros.

O que outrora era uma função eminentemente de gestão prudencial, é agora uma função estratégica, com implicações diretas na solvência, na sustentabilidade e até na reputação institucional.

Em Solvência 2.1, o gestor de investimentos deixará de ser um técnico de gestão de carteiras. Passará a ser um intérprete de balanços, um tradutor entre o risco de mercado e o risco de ativo/passivo, um arquiteto de liquidez e de duração.

As novas regras sobre extrapolação da “curva EIOPA”, choques de taxa de juro e o tratamento dos Long-Term Equity Investments (LTEIs) redefinem o perímetro da sua ação. Já não basta cumprir o Solvency Capital Requirement (SCR); é preciso demonstrar capacidade de o otimizar, e sobretudo de o sustentar no tempo.

Esta mudança tem uma implicação estratégica. O gestor de investimentos, já corresponsável pela solvência da empresa de seguros, vê essa responsabilidade exponenciada. Ao decidir o que comprar, o que manter e o que vender, não gere apenas risco de mercado; gere a própria resiliência da empresa de seguros perante os tomadores, os segurados, o regulador e os acionistas.

Paradoxalmente, a Solvência 2.1 abre um espaço de liberdade com crescente responsabilidade. A prudência regulatória, tantas vezes vista como obstáculo, pode finalmente tornar-se fonte de vantagem competitiva.

As empresas de seguros que dominarem as novas métricas de correlação, que souberem provar a elegibilidade dos seus LTEIs e que integrarem de forma genuína a dimensão ESG e de liquidez, poderão libertar capital e investir mais no longo prazo.

A Solvência 2.1, bem interpretada e aplicada, é menos um freio e mais um catalisador de investimento sustentável.

Mas, para isso, é preciso repensar o modelo de governação. A gestão de investimentos não pode permanecer isolada na sua torre de front-office; deve sentar-se à mesa do risco, do atuariado, da contabilidade e da direção técnica.

O diálogo entre gestão ativo/passivo, gestão de riscos e gestão de investimentos é o novo coração do modelo prudencial. Sem ele, qualquer política de cobertura ou otimização de SCR é apenas um exercício teórico.

O maior risco, afinal, talvez seja continuar a pensar em Solvência II como um mero regulamento, quando já é uma linguagem. Uma linguagem que exige fluência simultânea em finanças, gestão de riscos, atuariado, contabilidade, regulação e estratégia. As empresas de seguros que não formarem equipas verdadeiramente bilingues nestes seis dialetos correm o risco de passar a falar uma língua morta.

Entre a prudência e a ambição na gestão dos investimentos, jogar-se-á o futuro da solvência!

  • Nuno Oliveira Matos
  • Sócio da Carrilho & Associados, SROC

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