
Eólica offshore flutuante em Portugal: oportunidade à espera de vento favorável
O setor vive hoje um momento decisivo e devemos aprender com erros passados.
Portugal está perante uma oportunidade única para liderar a transição energética na Europa. Com uma das maiores zonas económicas exclusivas (ZEE) da União Europeia e condições atlânticas excecionais, o aproveitamento da energia eólica em mar “offshore” pode tornar-se um pilar económico e industrial. Mas esta oportunidade enfrenta uma indefinição política e regulatória.
A energia eólica “offshore” flutuante não é apenas uma fonte de energia renovável limpa. É um motor de desenvolvimento económico. Segundo a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), 2 gigawatts (GW) de potência instalada deverão exigir investimento privado de cerca de nove mil milhões de euros, capazes de criar até 13.500 empregos qualificados, contribuir com 1,7 mil milhões para o PIB e impulsionar uma cadeia de valor industrial.
Portugal já demonstrou capacidade para criar um setor industrial sólido quando existem regras claras e previsíveis. O concurso público para a Energia Eólica de 2005-2006, lançado pela Direção-Geral de Energia e Geologia, é um exemplo. Sob a liderança do Governo em funções, foram estabelecidos critérios transparentes e alinhados com objetivos estratégicos, o que resultou numa cadeia de valor robusta, milhares de empregos diretos e indiretos, e uma indústria nacional exportadora de componentes para a Europa, Canadá, Brasil, Estados Unidos e Ásia. O Cluster Eólicas de Portugal (ENEOP) e os 1200 MW, equivalente a 1.2GW em parques eólicos instalados em Portugal Continental (eólica “onshore”), foi um desses exemplos. O cluster foi responsável por mais de 1.800 empregos diretos e permanentes e mais de 5.500 indiretos, num investimento privado equivalente a 2 mil milhões de euros, distribuídos por unidades de fabrico de pás, torres e geradores, centros de treino, e parques eólicos “onshore”.
O aproveitamento da energia eólica “offshore” pode agora representar uma nova viragem, ao impulsionar a requalificação de áreas de negócio existentes, fomentar novos usos do mar — por via de projetos demonstradores, como a aquacultura integrada ou o turismo marítimo — e expandir significativamente a cadeia de valor já existente para a indústria eólica “offshore”.
A reconversão e modernização da infraestrutura portuária, prevista no programa Portos 5+, é apontada como condição essencial para capturar este potencial, permitindo transformar Portugal num hub logístico e industrial no Atlântico.
O desafio: transparência, rapidez e previsibilidade
O setor vive hoje um momento decisivo e devemos aprender com erros passados.
Portugal tem experiência em procedimentos concursais (leilões). Entre 2019 e 2021, o Governo de Portugal em funções despoletou um conjunto de leilões, para atribuição de reserva de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público, em particular para a energia solar fotovoltaica, solar fotovoltaica flutuante e atribuição de capacidade do PEGO. Em alguns destes exemplos registaram-se preços recorde de energia a fornecer. No caso específico do leilão solar fotovoltaico flutuante, registou-se um preço recorde de energia a nível mundial, com valores negativos, inferiores a 110% ao valor de referência fixado pelo Governo. No entanto, e apesar do aparente sucesso, o que se verifica à data de hoje é um bloqueio ao desenvolvimento dos projetos apresentados nas propostas vencedoras. Alguns dos quais por parecer desfavorável da Agência Portuguesa do Ambiente, que identifica que as áreas de instalação se sobrepõem às áreas protegidas — as mesmas áreas de instalação colocadas a concurso pelo próprio Governo.
Os procedimentos pretendem-se participativos, isto é, que exista concorrência, uma vez que proporciona preços mais competitivos no fornecimento de energia elétrica e a melhoria da qualidade dos serviços. A falta de participação costuma estar ligada a formatos desajustados à realidade do mercado: prazos de execução irrealistas, baixo fator de carga (indicador de eficiência), penalizações elevadas e preços de energia de referência (strike price) pouco atrativos nos leilões de Contratos por Diferença (CfD), à semelhança do registado em outros mercados europeus e do Reino Unido.
A transparência é a chave. O processo deve ser claro, rápido e construído com a participação de todas as partes interessadas. As decisões devem basear-se em estudos de mercado e nas lições aprendidas a nível nacional e noutros países, envolvendo especialistas internacionais no desenho dos procedimentos concursais.
Empresas como a IberBlue Wind aguardam desde 2022 por definições, tendo já vindo a público manifestar preocupação pela ausência de um quadro regulatório completo e de prazos definidos —num momento em que países, como França e Reino Unido, avançam com projetos de grande escala e calendários bem definidos.
A indefinição sobre as características técnicas e o calendário para entrada em operação da rede elétrica “offshore” é outro dos principais riscos para o desenvolvimento da eólica “offshore” flutuante em Portugal.
O Plano Decenal de Desenvolvimento da Rede de Transporte de Eletricidade (PDIRT-E 2025–2034), apresentado pela REN à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), descreve novos pontos de interligação em terra, onde poderá vir a ser ligada a rede “offshore”, mas não identifica qual o plano para o desenvolvimento da infraestrutura elétrica “offshore”, remetendo para futuras orientações do Governo.
Como desbloquear: Rapidez, Pragmatismo e Visão
O Governo deve agir com rapidez, pragmatismo e visão integrada. O atual Governo de Portugal reconheceu, no PNEC2030, a energia eólica “offshore” como uma dos temas estruturantes da atual política energética de Portugal. A aprovação, em 2025, do Plano de Alocação de Energias Renováveis Offshore (PAER) foi, de facto, um marco crucial para o desenvolvimento da produção eólica “offshore” em Portugal. O que falta? Um calendário exequível, clareza nos requisitos e garantias de compromisso mútuo. Para tal é fundamental:
- Que o leilão eólico “offshore” tenha início até ao final de 2025, com regras claras, estabilidade jurídica e envolvimento transparente de todas as partes interessadas;
- Proceder à publicação da “proposta” de operacionalização do primeiro procedimento concorrencial, conforme previsto no Despacho n.º 4752/2025. Esta informação é um pré-requisito essencial para que a indústria se comprometa com o desenvolvimento do setor em Portugal;
- Fomentar o envolvimento das partes interessadas para a definição das peças do concurso, envolvendo especialistas internacionais, que contribua para a promoção da concorrência, reflita as condições atuais do mercado e valorize toda a experiência das empresas em projetos de energias renováveis “offshore”;
- Uma ação coordenada com o operador da rede (REN). A publicação do plano de desenvolvimento da infraestrutura elétrica “offshore” é uma peça-chave para o desenvolvimento dos projetos e crucial para o compromisso com a data de início das operações comerciais.
A Europa já definiu a eólica “offshore” como pilar da sua segurança energética e da neutralidade carbónica. Como referiu Giles Dickson, da WindEurope, “a energia eólica no mar vai baixar os custos da eletricidade e reforçar a independência energética da Europa”.
Portugal ainda vai a tempo — se agir rapidamente. A eólica “offshore” pode ser uma nova revolução industrial e energética para o país, mas não se concretizará sozinha. O Governo tem os estudos, as estratégias, os planos e o interesse do setor privado. O que falta é executar. Alinhar rapidamente decisões técnicas, calendário e modelo financeiro. Deixar passar esta oportunidade não seria apenas um erro político. Seria desperdiçar vento certo para navegar rumo a um futuro mais sustentável, competitivo e soberano.
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