Esticar a corda até que parta

O PSD não pode ser a “amante” política sempre disponível para as conveniências do Governo, quando há desentendimentos à esquerda. Mas também não pode adoptar como regra votar ao lado do BE e do PCP.

Terça-feira

É um Presidente da República optimista, aquele que se apresenta ao país no primeiro aniversário da sua eleição. Para muitos talvez até “irritantemente optimista”, como o próprio classificou em tempos o primeiro-ministro, António Costa.

A gestão de expectativas é uma componente importante de qualquer governação e não se espera que seja o Governo a carregar de negro a fotografia, ainda que os tempos sejam de dificuldades e de incerteza. Mas há uma diferença importante entre optimismo, motivação e os sinais de esperança que se transmitem aos cidadãos e agentes económicos e, por outro lado, o irrealismo e as máscaras que muitas vezes são colocadas para disfarçar a realidade. A fronteira entre optimismo esclarecido e propaganda inconsciente é muitas vezes ténue e ultrapassada pelos governantes. E é nessas alturas que se tornam mais importantes os outros poderes, formais ou informais, para caldear o discurso e enfatizar aquela parte da realidade que é muito importante mas que os governos mais dados à gestão pela comunicação prefeririam ocultar.

Marcelo Rebelo de Sousa teve, no primeiro ano de mandato, um papel importante para a estabilidade política, para a reconciliação possível dos cidadãos com a classe política e poderes públicos e para garantir condições de governabilidade sem tensão institucional a uma solução de governo inédita e arriscada.

A dúvida está, mais uma vez, no respeito pelas fronteiras. E uma coisa é termos em Belém um Presidente que é institucionalmente leal com o Governo, cooperante com a governação e com as opções que esta, legitimamente, toma, e neutro em relação às políticas sufragadas pelo Parlamento.

Outra coisa é assistirmos a uma perigosa confusão de papéis entre a função presidencial e governativa, à entrada do Presidente em assuntos correntes da governação e à adopção de um discurso justificativo sobre o país e a sua gestão que é muito imprudente.

Marcelo Rebelo de Sousa poderá ter já ultrapassado essa fronteira. Ninguém, neste momento, pode colocar conscientemente as mãos no fogo pela evolução da economia e das finanças do país. Os riscos são evidentes, os alertas e avisos são constantes, a fragilidade de tudo isto é óbvia. Pode correr bem? Pode. Mas também pode correr mal ou muito mal. E o “correr bem”, neste caso, já nem é um crescimento económico robusto que em meia dúzia de anos nos faça sair da zona de alerta permanente. Trata-se, tão só, de nos safarmos de mais um problema grave de financiamento a requerer uma qualquer ajuda externa.

Ao “atravessar-se” na defesa das opções políticas tomadas, dos seus resultados e na desvalorização deste riscos de uma forma até mais ousada do que o Governo, Marcelo corre o risco de se tornar cúmplice e co-responsável pelo que o futuro nos reserva, que neste momento desconhecemos.

Essa é uma imprudência que lhe poderá sair cara. Não em termos pessoais, que esse será um impacto com que o próprio terá que lidar, mas para o exercício da sua função. O poder da palavra é uma arma de intervenção importante de qualquer Presidente. Se esta se banaliza ou sai descredibilizada é a função que perde.

Quarta-feira

A discussão sobre a redução da Taxa Social Única veio abrir um novo ciclo na legislatura, com riscos para todos e de desfecho incerto.

A derrota no Parlamento do acordo que o Governo tinha fechado na Concertação Social de forma partidariamente unilateral veio mostrar a fragilidade e inoperância desta maioria para uma série de matérias decisivas. Tudo o que esteja fora da agenda da extrema-esquerda tem prognóstico muito reservado.

António Costa terá que aprender a negociar previamente — coisa que não fez neste caso — e a encontrar apoios que lhe garantam a aprovação das decisões tomadas pelo Governo. O chefe do Governo tem que ter sempre presente, antes de mais nada, que o seu Governo minoritário tem no Parlamento uma posição diferente dos que tinham os de António Guterres ou o último (também sem maioria parlamentar) de José Sócrates. Estes lideraram governos minoritários porque venceram as eleições. Costa é primeiro-ministro sem as ter ganho e apenas porque apresentou uma maioria para governar depois de ter derrubado no Parlamento o vencedor das eleições.

Cabe-lhe portanto a ele provar diariamente que a maioria que apresentou funciona de forma consistente e apta a executar o programa de Governo.

O PSD, por seu lado, tem o teste da coerência e da confiabilidade do eleitorado para passar. É certo que não pode ser a “amante” política sempre disponível para as conveniências do Governo, quando há desentendimentos na maioria parlamentar de esquerda. Mas também não pode adoptar como regra a votação ao lado do BE e do PCP para mostrar a fragilidade do apoio do Governo, sobretudo quando estão em causa políticas que fazem parte do seu ADN. A prazo, uma boa parte do seu eleitorado não iria entender.

Adivinha-se um ano politicamente muito tenso. Vamos ver de que lado vai partir da corda.

Quinta-feira

Em relação a Donald Trump já se queimaram todos os fusíveis possíveis. Primeiro não seria candidato, depois não seria eleito e por fim o Presidente seria diferente do candidato. Com uma semana de funções já se percebeu: não é. Uma a uma, começa a cumprir as piores promessas que fez em campanha. De todas as medidas, destaco uma: o encerramento, no primeiro dia em funções, da versão hispânica do site da Casa Branca na internet. O investimento estava feito e a utilidade pública do website é indesmentível num país que tem 17,5% da população de origem hispânica. Na sua lógica — errada — até se poderia entender que não utilizasse mais recursos em novas actualizações do site. Desligar o que já estava feito diz-nos muito mais sobre o seu carácter do que sobre a sua política. O homem não presta.

Sexta-feira

É muito bom que o défice orçamental tenha ficado abaixo dos 2,3% no ano passado. É bom que o Governo — quem diria… — tenha ido além das metas estabelecidas por Bruxelas. Claro que só foi possível com a medida extraordinária do perdão fiscal, com o corte a fundo no investimento e o aperto forte na despesa corrente. Mas, hoje como no passado, é mesmo assim: com o Estado que temos o défice só baixa à força.

Mas não nos iludamos. Os investidores e as agências de rating sabem fazer essas continhas todas e tirar as suas conclusões. Um coisa é o folclore da comunicação política para consumo interno. Outra coisa é convencer os credores a comprarem a nossa dívida.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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