Ética empresarial e proteção do whistleblower

A economia de mercado faz parte das democracias liberais, mas a ética empresarial é um ingrediente necessário para o seu normal funcionamento.

A ética empresarial é cada vez mais um imperativo das sociedades democráticas. A economia de mercado faz parte das democracias liberais, mas a ética empresarial é um ingrediente necessário para o seu normal funcionamento.

Por essa razão, têm sido criados programas universitários sobre o tema e aprovados instrumentos legais para garantir que as empresas atuam de forma competitiva e com ética, dentro das leis do mercado.

Em 2002, na sequência de diversos escândalos financeiros, o Congresso dos Estados Unidos promulgou o Sarbanes-Oxley Act (SOX), impondo a produção de relatórios independentes associados à criação de produtos financeiros. Criou-se, também, uma regra de proteção dos denunciantes contra atos de retaliação.

Há cerca de 1 mês, porém, no caso Murray v. UBS Securities, LLC, o US Supreme Court esclareceu que cabe ao denunciante fazer prova de que o seu despedimento foi um ato de retaliação.

O caso é simples de relatar: em 2011, Murray foi recrutado para um banco de investimento, ficando com a responsabilidade de analizar o risco de determinados produtos financeiros. Murray alegou que os seus supervisores pressionaram-no a distorcer os seus relatórios em benefício das estratégias de negócio do banco. Por ter denunciado tal situação, foi demitido e processou o banco. Apesar de ter ganho a causa em 1ª Instância, os tribunais superiores decidiram que Murray não provou que o despedimento foi um ato de retaliação.

Ou seja, Murray não poderia ter sido despedido por ter denunciado uma fraude financeira. Mas, como não conseguiu provar o nexo de causalidade entre a denúncia e o despedimento, perdeu a ação.

A proteção do denunciante revelou-se ineficaz.

Também na Europa têm sido criadas leis para promover a ética empresarial e garantir a proteção dos denunciantes.

Em Portugal, temos o Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC), o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI) e a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024. De acordo com estas leis, as entidades com 50 ou mais trabalhadores devem dispor de um Programa de Cumprimento Normativo que implica a elaboração de códigos de conduta, planos de prevenção de riscos, canais de denúncia e programas de formação para a integridade, assim como devem nomear um responsável pelo cumprimento normativo.

O RGPDI, inspirado na Diretiva UE 1937/2019 sobre a proteção do denunciante, estabelece que é proibido praticar atos de retaliação contra quem denuncia infrações. Mas vai mais longe.

Ao contrário do SOX americano, o RGPDI contém uma “presunção de retaliação”, estabelecendo que se presume, até prova em contrário, que há retaliação quando esta ocorre até dois anos após a denúncia ter sido feita. Perante esta regra, o denunciante que é despedido apenas tem de invocar que este foi um ato de retaliação, cabendo ao empregador provar o contrário.

Ou seja: os EUA iniciaram a defesa da ética empresarial e o movimento de proteção do Whistleblower; a Europa, seguindo este trajeto, aproveitou a experiência do tempo para dar um passo em frente em matéria de ónus da prova.

Só falta mesmo uma coisa: as empresas internalizarem que, independentemente das leis, a ética empresarial é, realmente, essencial para as democracias e para o desenvolvimento económico e social.

O legislador deu o sinal; cabe às empresas aprovarem os códigos de conduta e demais instrumentos de compliance normativo que lhes permitam dar esse salto em frente.

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