Força “G”

  • Nuno Oliveira Matos
  • 13:26

Nuno Oliveira Matos realça que o ESG começa no Governance, sem "G" será difícil conseguir sustentabilidade e eficácia a tratar do meio ambiente e social em que as seguradoras se inserem.

Vivemos tempos em que o discurso estratégico e regulatório está dominado pelas siglas do momento: ESG (Environmental, Social and Governance). Não há conferência, relatório de sustentabilidade ou painel sobre risco em que o tripé ambiental, social e de governação não seja invocado. Contudo, entre os três pilares, há um que constitui a base de sustentação dos outros dois: a Governação. Sem “G” não há nem “E” nem “S”. É tempo, então, de reforçar essa evidência com um grito claro: Força “G”!

O “G” é como guardião da resiliência das empresas de seguros, entidades que gerem riscos por definição. A governação corporativa não é apenas um requisito de boa gestão; é, sobretudo, um instrumento preventivo essencial à proteção dos tomadores, segurados e beneficiários. A Norma Regulamentar n.º 4/2022-R, de 26 de abril, emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), consagra esta visão, exigindo estruturas sólidas, funções-chave independentes e processos formais de gestão de riscos, atuariado, compliance e auditoria interna.

Uma das medidas com maior potencial de impacto seria a implementação da auditoria conjunta (“joint audit”), que se traduz na designação de dois auditores independentes para a mesma entidade

Sem um “G” robusto, todo o edifício do ESG vacila. De que serve proclamar compromissos ambientais ou sociais, se o órgão de administração não os integra na estratégia?! Ou se não existem mecanismos internos para verificar se os princípios se traduzem em práticas?! Portanto, governação não é formalismo, é função vital!

Em Portugal, o Código das Sociedades Comerciais permite às sociedades anónimas escolher entre três modelos de fiscalização: o modelo clássico, o dualista e o monista. No setor segurador, classificado como de interesse público, a adoção do modelo monista revelar-se-ia particularmente eficaz, pois integra a fiscalização no seio do próprio Conselho de Administração, através de uma Comissão de Auditoria composta por administradores não executivos. Este modelo não apenas cumpre os requisitos legais e regulamentares, como promove o alinhamento entre estratégia e supervisão, acesso direto à informação crítica em tempo real e uma responsabilização clara dos administradores não executivos. É o “G” em ação: ativo, informado e responsável. Uma estrutura para prevenir, e não apenas detetar e corrigir.

O reforço da governação não se esgota nas estruturas internas. Uma das medidas com maior potencial de impacto seria a implementação da auditoria conjunta (“joint audit”), que se traduz na designação de dois auditores independentes para a mesma entidade. Esta prática, adotada noutras jurisdições, promove uma auditoria mais robusta, reduz a concentração no mercado de auditoria e, sobretudo, potencia uma maior diversidade de perspetivas na identificação de riscos materiais. No setor segurador, onde a confiança dos stakeholders é capital, o joint audit contribuiria para uma verificação mais exigente da integridade da informação financeira e não financeira e para uma maior accountability de todos os intervenientes. É um exemplo concreto de como a governação se pode traduzir em mais transparência, qualidade e confiança nos mercados.

A referida Norma Regulamentar da ASF vai além da estrutura formal, ao estabelecer, entre outros pontos, a obrigação de um plano estratégico sustentável a longo prazo, políticas escritas de controlo interno e gestão de riscos, código de conduta e cultura organizacional orientada por princípios éticos, regras contra conflitos de interesse e mecanismos internos de denúncia de irregularidades. Estes instrumentos não servem apenas para cumprir a norma; são barragens de contenção contra comportamentos desviantes, muros contra decisões inconsequentes, pontes entre valores e práticas. São o “G” que previne, antes que se tenha de remediar.

De facto, sem “G”, não há ESG que resista. É ilusório imaginar que os objetivos ambientais e sociais terão sucesso, se a governação não for sólida. O “E” e o “S” precisam do “G”:

  1. Para garantir que os riscos climáticos são identificados, medidos e integrados na estratégia;
  2. Para assegurar que as políticas sociais e de diversidade são mais que brochuras;
  3. Para que as metas de impacto sejam monitorizadas, auditadas e reportadas com rigor. No fundo, para que os órgãos de gestão e fiscalização internamente assegurem a coerência entre discurso e prática.

A governação é a condição de uma “gestão sã e prudente”, conceito que, no setor segurador, é sinónimo de confiança pública, solidez financeira e proteção dos interesses dos tomadores, segurados e beneficiários.

A verdadeira força das empresas de seguros reside na sua capacidade de antecipar riscos e de se proteger contra o imprevisto. Para isso, precisam de governação forte, clara, transparente e eficaz. A força do “G” não está na burocracia, mas na vigilância, na responsabilidade e na integridade das decisões tomadas.

Mais do que nunca, em tempos de incerteza climática, pressões sociais e escrutínio reputacional, é tempo de reforçar o alicerce que sustenta o ESG. Com regozijo e convicção, afirmemos: Força “G”!

  • Nuno Oliveira Matos
  • Sócio da Carrilho & Associados, SROC

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