Governo informal, país desigual

O Governo em Conselho de Ministros informal é como fumar e não inalar. O Conselho de Ministros informal só tem como propósito relançar a acção governativa de um Governo que já não existe.

A julgar pelo Estado da Nação, todos os Conselhos de Ministros são informais. A informalidade é a imagem de marca do Governo. A formalidade implica uma responsabilidade que o Executivo não quer e não conhece. Com estas encenações em forma de acrobacia, o Governo pretende ocupar o vazio da pista política. Os portugueses olham para o trapézio voador e ignoram a rotina cansada dos governantes do costume. O Governo de “clones” dá lugar ao Governo de “clowns”. O que é importante é inventar audiências, captar as agendas mediáticas e mostrar que as instituições democráticas estão a trabalhar para a Nação. Veja-se o contributo para o “desafio do desenvolvimento estrutural” do relatório preliminar da comissão parlamentar à TAP – a democracia reduzida a um jogo de fumos e de espelhos para garantir a conveniência do partido hegemónico. É a democracia em modelo venezuelano com um relatório redigido por um comissário político. A realidade é um detalhe que só interessa aos facciosos e às mentes mesquinhas.

O Conselho de Ministros informal só tem como propósito relançar a acção governativa de um Governo que já não existe. A opção política pela desistência é a consciência da incapacidade política de um programa ideológico desfasado do tempo e da realidade do País. O brainstorming governativo em registo familiar observa as linhas do horizonte, inventa as grandes tendências do futuro, consulta a alma nacional e dispara “intenções” nos ouvidos da Nação. As palavras do Governo são escritas em plasticina e voam e avançam como bolas coloridas nas mãos de uma criança. O Governo é um colégio de santos “corrompidos” pelo poder, um grupo de jovens turcos envelhecidos pela incompetência, uma equipa derrotada pelo peso das “preocupações permanentes”. O poder, a incompetência e as preocupações ao serviço do atraso da Nação e do progresso das carreiras futuras dos governantes. No Governo transformado numa “fábrica de nada” inventam-se desculpas mínimas e desinventam-se responsabilidades máximas.

O Governo em Conselho de Ministros informal é como fumar e não inalar. Esta “versão aristocrática” do PS, dona do regime, dominadora da República, é toda uma negação do papel do partido na consolidação da democracia em Portugal. Os efeitos políticos na fábrica social da Nação são retrógrados e reaccionários porque provocam a degradação da República e o declínio da democracia. A “mão invisível” do PS é a mão visível dos interesses instalados com a invisibilidade dos benefícios para o agregado da Nação. O Governo não parece um Governo Constitucional baseado na soberania da Nação. Um Executivo que detesta “reformas”, odeia “remodelações”, evita “responsabilidades”, não é um Governo progressista que tem de agir e transformar para desenvolver Portugal. O Governo administra o establishment, garante prerrogativas e privilégios, funciona como se fosse um Governo típico de um País que vive ainda de acordo com a “soberania dinástica” de uma ordem social imutável e secular. Um Governo anacrónico com gestos ridículos ao som dos DJs do futuro.

Perante um Governo estruturalmente informal, o que é surpreendente é a calma que se vive no País. Aqui e ali a contestação social cresce, mas cresce com a lógica formal das instituições que devem contestar – sindicatos com greves. A contestação social é orgânica, ordeira e bem comportada. Um mistério nestes tempos de declínio nacional e desigualdade estrutural.

A questão não é simplesmente ideológica, uma visão de Esquerda em comparação com uma visão de Direita. A verdadeira questão apela para o epicentro da sociedade portuguesa que tolera um nível de “vandalismo social” do Governo que já teria provocado uma explosão social em outros países da Europa. O Executivo na sua informalidade não entende que sem a “justiça de uma política de rendimentos” a democracia será sempre superficial. O que espanta é não ver as ruas das grandes cidades de Portugal transformadas em avenidas de Nanterre.

Todas as sociedades têm os seus limites e estas palavras não são um apelo aos céus e à revolta. Mas que o Governo “vira a cara” a Portugal parece-me uma evidência insuportável. A justiça não é a república do medo nem a regra da resignação. Será que os portugueses estão em casa porque estão desencorajados e resignados ou porque não existe em Portugal um índice de politização que suporte a manifestação inorgânica do descontentamento, da pobreza, da exclusão? A “paz social” será a prova do “País dos brandos costumes” ou a manifestação de uma “apatia histórica” que nos trouxe a esta periferia do século XXI?

O Estado da Nação não é feliz e não se recomenda. Quando os portugueses vivem em garagens, quando matilhas de cães abandonados regridem ao estado primitivo e ameaçam algumas cidades de Portugal, quando o SNS parece um semáforo entre o vermelho e o verde que complica a geografia da saúde, quando os estudantes devem cerca de 60 milhões de euros em propinas atrasadas às Universidades, o Governo realiza Conselhos de Ministros informais a pensar num futuro hipnótico que exclui a realidade do País. Portugal está transformado num “arraial triste”.

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