Impacto: a terceira dimensão

  • Matt Christensen
  • 27 Abril 2021

Os investimentos de impacto – que também têm um impacto positivo desejado e mensurável no ambiente ou na sociedade – representam apena 0,5 por cento dos ativos sob gestão.

Investir para gerar um rendimento financeiro adequado e tornar o mundo um lugar melhor. Durante muito tempo, estes dois objetivos foram considerados incompatíveis no setor financeiro. Afinal, investir numa boa causa era associado à filantropia ou mecenato, onde a intenção de obter lucro não tinha qualquer papel – ou tinha apenas um papel subordinado. Mas a contradição entre uma boa causa e rendimentos adequados existe apenas aparentemente: os investimentos de impacto eliminam-na. O que era um nicho absoluto há alguns anos, aos poucos está a transformar-se num verdadeiro segmento de investimentos.

Alguns números: segundo dados das Nações Unidas, os critérios ESG (da sigla em inglês, para critérios ambientais, sociais ou de governança) são agora aplicados a mais de um terço de todos os ativos sob gestão em todo o mundo. Portanto, é justo dizer que a consideração da sustentabilidade, qualquer que seja a sua forma, é agora uma prática normalizada no investimento. E isso é verdade não apenas no que respeita aos mercados públicos, como as ações e obrigações negociadas em bolsa, mas também, e cada vez mais, aos mercados privados – i.e., alternativas ilíquidas, como infraestrutura, capital e dívida privados.

Os investimentos de impacto – ou seja, os investimentos que, além de um rendimento financeiro, também têm um impacto positivo desejado e mensurável no ambiente ou na sociedade – hoje representam apenas cerca de 0,5 por cento dos ativos globais sob gestão. Porém, esta área está a crescer a um ritmo alucinante: segundo os cálculos da GP Bullhound, o volume de investimentos orientados para o impacto tem aumentando em média 77% anualmente em cada um dos anos entre 2017 a 2019. Os investimentos ESG, por contraste, cresceram em média “apenas” 13% anualmente no mesmo período.

Vindos de um nível baixo, os investimentos de impacto estão a ganhar um impulso considerável. E há indícios de que este ritmo elevado pode ser mantido. Em vez de empurrar a questão da sustentabilidade para segundo plano, a crise da Covid-19 aumentou o seu interesse. A cooperação internacional para conter a pandemia é vista frequentemente como um teste decisivo à capacidade da comunidade internacional em responder ao desafio global do século 21: as alterações climáticas. Além disso, a crise do coronavírus trouxe um novo foco aos aspetos sociais. Isso pode ser visto nas intensas discussões públicas sobre o propósito da empresa e em palavras-chave como inclusão social e “transição justa” – i.e., a consideração das questões sociais na mudança estrutural rumo à neutralidade climática.

Agora, quais são os resultados positivos que os investimentos de impacto procuram alcançar? Sobre esta questão, tem emergido o consenso de que os investimentos de impacto devem contribuir para pelo menos um – idealmente vários – dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com os quais a ONU se comprometeu em 2015 tendo em vista 2030. Esses objetivos cobrem um amplo espectro: desde o combate à pobreza e a garantia de alimentação, a saúde e a educação por via da igualdade de género e o fornecimento sustentável de água e de energia ao combate às alterações climáticas e a promoção da paz mundial. Segundo a ONU, em média são necessários, até 2030, 2,5 biliões de dólares americanos por ano em capital para financiar os ODS. É impossível ao setor público arcar sozinho com esse volume. O envolvimento do setor privado é indispensável.

Ao serem divididos em 196 alvos específicos e 232 indicadores, os abstratos ODS tornaram-se investíveis. Esta arquitetura permite a constituição de fundos de impacto, os quais, segundo a definição da Rede Global do Investimento de Impacto (da sigla em inglês, GIIN), devem cumprir diversos requisitos. Em primeiro lugar, intencionalidade: deve haver uma intenção dedicada para alcançar um impacto claramente definido. Em segundo, causalidade: o impacto pretendido deve estar relacionado causalmente ao investimento. Em terceiro, mensurabilidade: se e em que medida o impacto desejado é alcançado, deve ser medido por índices de desempenho (da sigla em inglês, KPI) claramente definidos. E em quarto, reportar: o impacto deve ser reportado de forma regular e transparente.

Em vista dos dois últimos requisitos, mensurabilidade e responsabilidade, a padronização e a validação estão a tornar-se cada vez mais importantes. A boa notícia: como nos mercados públicos, há cada vez mais instituições e iniciativas do mercado privado a desenvolver requisitos mínimos, melhores práticas e processos de auditoria para os investimentos de impacto. Para citar apenas alguns, além da GIIN mencionada acima: os Princípios Operacionais para a Gestão de Impacto e o Projeto de Gestão de Impacto. A indústria, como um todo, está a beneficiar dessa padronização, já que reduz o risco de “lavagem de impacto” – i.e., o risco de uma classificação de investimento de impacto abusiva e enganadora. Além disso, é útil para os fornecedores, visto que, daqui para frente, cada vez mais investidores deverão exigir uma validação externa do impacto pretendido.

Resumindo, pode afirmar-se que, embora os investimentos de impacto ainda desempenhem um papel menor no investimento, isso está a mudar a passos largos. Neste segmento, uma imensa procura global por capital vem responder a uma disposição cada vez maior dos investidores em investir, não apenas para gerar rendimentos adequados, mas também para fazer o bem. Isto está a acontecer num momento em que cada vez mais atores reconhecem a necessidade de, além de perseguirem os seus próprios interesses e os dos acionistas, assumirem responsabilidades pela sociedade como um todo.

Portanto, é provável que as considerações de impacto sejam cada vez mais integradas em qualquer atividade de investimento. Mais ainda, podem mudar a forma como os investimentos serão feitos no futuro. A visão tradicional dos investimentos é predominantemente bidimensional, através de uma avaliação das considerações de rendimento e risco. Ainda que a introdução dos critérios ESG tenha um efeito predominantemente sobre o risco, o estabelecimento de critérios de impacto significa uma verdadeira ampliação do espectro. Com o tempo, pode presumir-se que as considerações de impacto serão integradas como uma terceira dimensão em cada decisão de investimento, expandindo a consideração risco-rendimento para risco, rendimento e impacto.

  • Matt Christensen
  • Diretor Global de Investimento Sustentável e de Impacto da Allianz Global Investors

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