Inflação alimentar, barragens e políticas virtuosas

Num tempo de elevados fundos estruturais, via PRR, ao invés de apostar num 'game changer' para o sector agrícola, o Governo prefere ficar quieto e apostar em medidas pífias e que apenas parecem bem.

Nos próximos dias vai ser discutido o Orçamento do Estado para o próximo ano e, consequentemente, a manutenção do IVA zero sobre a alimentação como forma de combater a subida dos preços. Todos os anos discutimos propostas simples e virtuosas, com uma carga emotiva elevada, mas quase sempre erradas. IVA zero é simplesmente mais uma. Numa época de inflação descontrolada, o que chateia é que era possível baixar o preço dos bens alimentares e simultaneamente dinamizar todo o sector produtivo, e tenho dúvidas que tal seja colocado em cima da mesa.

Comecemos pelos factos: A inflação nos bens alimentares, a verdadeira inflação, ficou acima dos 10% no segundo semestre de 2023. Este facto traduz várias coisas:

  1. Que a inflação está longe de estar controlada;
  2. Que o IVA zero ou qualquer mecanismo de controlo de preços está longe de mitigar significativamente o problema.

Os índices de preços, habitualmente publicados, medem a subida do custo de vida assumindo que as famílias portuguesas consomem sempre os mesmos produtos. De uma forma simples respondem à pergunta: “Qual a subida do preço do bife?”, assumindo que o consumidor come a mesma quantidade de bifes que consumia no passado. Porém, é normal que com a fatura do supermercado a subir que a carne seja substituída por ovos. E por isso interessa medir a subida do novo bem consumido, mesmo que no final a despesa alimentar seja a mesma ou, porventura, menor. Este indicador de preços chama-se deflator e é calculado pelo INE e também é ventilado de forma a dar destaque aos bens alimentares.

Se considerarmos a natural troca de produtos, os preços dos bens alimentares aumentaram mais de 10% em termos homólogos. O último índice de preços no consumidor indica uma subida de preços moderada (?) de cerca de 4%; o deflator indica 10%. Mais do dobro.

É preciso ser honesto com os números: O ritmo de subida dos preços, medido através deste indicador, tem vindo a cair. Os dados do organismo nacional de estatística revelam que os 10% de subida do preço, no segundo trimestre de 2023, são menores do que a inflação dos trimestres anteriores que chegou a rondar, em termos homólogos, os 18%! Mesmo que se assuma que este abrandamento da inflação é todo e exclusivamente devido ao IVA zero, mesmo que se assuma que não houve nenhum efeito de redução do custo de energia, e que se ignore olimpicamente o abrandamento da inflação noutros bens, podemos igualmente concluir que com esta subida dos preços nos bens alimentares é uma vitória pífia contra a carestia da vida – seja qual for o ângulo os preços dos alimentos continuam caros e a crescer um ritmo elevado.

Qual é a solução?

  • Os dados do organismo oficial de estatística mostram ainda outros detalhes: em termos de grandes agregados que compõem o PIB, as rubricas mais expostas à concorrência (as exportações e as importações) são os agregados onde os preços crescem menos. Tal facto parece indiciar que a melhor forma de “controlar os preços” é abrir o sector agrícola ao exterior forçando o sector primário a expor-se à concorrência ao invés de adotar uma visão soberanista. Temos de ter uma balança alimentar virada para o mercado e não uma visão de redução de auto subsistência. Produzir o que melhor conseguimos e não o que porventura gostamos de consumir.
  • Mais relevante: Os dados do organismo oficial de estatística parecem também indiciar que as margens da agricultura são indicadores antecipados da subida de preços. Se assim for, a grande aposta que deveríamos ter para reduzir os preços dos bens alimentares é reduzir o custo dos fatores de produção. Olhando para as grandes rubricas, a água é talvez o input mais óbvio já que é o fator mais escasso.

É por isso que se olha com estranheza para o facto de o Governo já ter abdicado de construir o projeto do médio Tejo. Este projeto permitiria ter um quase Alqueva na zona centro do país com um impacto semelhante ao que se viu no Baixo Alentejo. Como se sabe, o Alqueva alterou a fixação de população, os níveis de emprego, a riqueza produzida, etc. Seja qual for o ângulo há uma história de sucesso. Porém, em entrevista ao jornal regional Mirante, a ministra da Agricultura diz que essa infraestrutura custaria 4,5 mil milhões de euros (dou os números como bons) e que não é passível de ser realizada. Num tempo de elevados fundos estruturais, via PRR, ao invés de apostar num ‘game changer‘ para o sector, e numa ferramenta de combate à inflação futura (e de combate as alterações climáticas pelo caminho), o Governo prefere ficar quieto e apostar em medidas pífias e que apenas parecem bem.

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