Mesquita Nunes e a nossa Democracia imperfeita

Gostava de ter um sistema de ensino que não deixasse ninguém apreensivo por se ter de lidar com questões novas e diferentes. É que o futuro é assim: cheio de coisas desconhecidas.

Eu sei que, por estes dias, o Reino Unido não é exactamente o país que nos ocorre usar como exemplo de boas práticas. Uma pessoa vê as gravatas do John Bercow e assiste à tragicomédia do Brexit e facilmente se esquece que, no Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit para 2018, o Reino Unido ocupa o 14º lugar (num conjunto de 167 países), sendo uma das únicas vinte “democracias plenas” (Portugal está em 27º, no lote das “democracias imperfeitas”). A verdade é que, apesar deste momento menos edificante, os ingleses são referência em muita coisa (bom, talvez um bocadinho menos que aquilo que eles julgam).

Num outro desses populares rankings, o Índice de Competitividade Global do Fórum Económico Mundial, os britânicos voltam a estar muito bem posicionados: têm a oitava economia mais competitiva do mundo. E é no oitavo lugar que está também um dos pilares em que se baseia aquele índice, o do funcionamento do mercado de trabalho.

Há uns artigos atrás, falei brevemente do Luís Gaspar. O Luís Gaspar trabalhou quatro anos e meio na Ofcom, a entidade reguladora das comunicações do Reino Unido. Nas conversas que mantínhamos, abordávamos muitas vezes as diferenças entre trabalhar em Portugal e lá. Uma das que me contou foi o facto de a equipa que geria incluir, além dos expectáveis – segundo padrões portugueses – economistas e juristas, pessoas de outras formações, como História ou Comunicação Social.

Não fiquei surpreendida. Lembrava-me de ter lido um artigo do Financial Times precisamente sobre o facto de na “city”, o centro financeiro da capital britânica, trabalhar muita gente com formação na área das Humanidades. Há cerca de um ano, um outro artigo, no The Guardian, falava disso mesmo, de as empresas contratarem pessoas de Filosofia. Por cá, já ouvi dizer que Filosofia é o curso mais inútil que existe. Imagine-se, um curso que etimologicamente significa “amor pela sabedoria” não ter utilidade: é capaz de explicar alguma coisa…

Mas eu entendo. Apesar daquilo que se preconiza nos documentos estratégicos para a Educação, o ensino em Portugal, genericamente, não apela ao raciocínio, à capacidade de construir argumentos e de relacionar conceitos, à abstracção, ao sentido crítico; baseia-se na mecanização, na reprodução acrítica, na memorização. Na prática lectiva, privilegia-se o saber fazer em vez do saber pensar.

Ocorreu-me isto a propósito da ida de Adolfo Mesquita Nunes para a Galp. Um ponto prévio. Conheci-o quando era secretário de Estado do Turismo. Eu estava a escrever o ensaio da FFMS e ele recebeu-me. A partilha do interesse pelo sector, a confluência de ideias e amigos em comum mantiveram-nos em contacto. A minha boa opinião a seu respeito não será segredo – até acho que ele parece economista. E lamento, por isso, não o ver continuar na política activa, embora nunca tivesse tido a ilusão de que o seu posicionamento ideológico (muito próximo do meu) pudesse granjear grande apoio em Portugal (nem sequer no seu partido).

Mas voltemos ao seu convite para administrador não executivo. As reacções que gerou incluíram frequentemente a menção à inexperiência no sector energético. Num país que alimenta uma enorme porta giratória, em que as pessoas ora estão no regulador ora no regulado, em que a legislação é produzida em regime de outsourcing em escritórios privados, em que se tem um pé no mundo empresarial e outro em cargos onde se decide sobre esse mesmo mundo, é normal que se questione a benevolência da escolha de Paula Amorim. Mesmo quando Adolfo Mesquita Nunes deu, à frente da secretaria de Estado do Turismo, provas de ser capaz de fazer um bom trabalho em áreas que até então não eram a sua.

É possível que a escola da D. Irene, onde Adolfo Mesquita Nunes fez a primária, pusesse os alunos a pensar. Que os estimulasse a procurar perguntas e a descobrir-lhes as respostas, em vez de lhes dar uma receita passo-a-passo para obter soluções. Não sei.

Sei que gostava de ter um sistema de ensino que efectivamente motivasse a curiosidade, a criatividade, a resolução de problemas, o debate, em que os alunos são induzidos a reflectir sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Um sistema de ensino tal que alguém com uma formação num determinado campo não deixa de ser um contributo válido para outras áreas, porque sabe pensar, sabe analisar as questões e consegue trazer perspectivas novas. Um sistema de ensino que não deixasse ninguém apreensivo por se ter de lidar com questões novas e diferentes. É que o futuro é assim: cheio de coisas desconhecidas.

Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.

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