Editorial

Miranda Sarmento mais bem preparado do que Centeno

O ministro de Estado e das Finanças chegou a ser apelidado de 'Centeno de Rio'. Agora, é o 'Miranda Sarmento de Montenegro', tudo somado, depende sobretudo de si próprio.

Luís Montenegro surpreendeu, outra vez, com um conjunto de escolhas que permitiu apresentar um Governo muito melhor do que aquele que se antecipava em função do contexto político difícil (para não dizer outra coisa). E da orgânica anunciada, ressalta um ponto crítico, sobretudo quando parece ter-se instalado a ideia de que há dinheiro para tudo e para todos: Joaquim Miranda Sarmento é ministro de Estado e das Finanças, o terceiro na hierarquia do Governo.

Não é uma questão apenas formal. Ao decidir atribuir a Joaquim Miranda Sarmento a posição de ministro de Estado, um dos dois deste Governo (o outro é Paulo Rangel, o número dois), Montenegro está a sinalizar externamente e sobretudo à mesa do Conselho de Ministros que Portugal não pode desbaratar o equilíbrio das contas públicas. Pode fazê-lo com contas boas, sim, em contraponto às contas certas de Costa e Medina, o caminho deve ser diferente, mas o resultado final, o excedente, é absolutamente crítico para permitir reduzir a dívida pública de forma sustentável.

A escolha de Miranda Sarmento não é propriamente uma surpresa. Paulo Macedo nunca foi uma verdadeira possibilidade, apesar das notícias. O presidente da CGD nunca deu sinais de que estaria disponível para interromper o seu mandato, e bem. E provavelmente a sua escolha seria uma desfeita de Montenegro a quem esteve a seu lado desde o primeiro dia e a quem aceitou um desafio — a liderança da bancada parlamentar — para o qual não estava manifestamente talhado. Fê-lo a contragosto, por espírito de missão.

O cargo de ministro das Finanças tem uma óbvia dimensão política, por vezes desvalorizada quando se analisam as competências necessárias à função. Miranda Sarmento não tem o dom da oratória, nem foi um daqueles parlamentares que inspirava ou que fosse temido. Mas aprendeu política. E da forma mais difícil. Na oposição, com um tirocínio no terreno de uma maioria parlamentar absoluta do PS.

Do ponto de vista técnico, a sua competência é inquestionável. Trabalhou na Direção-Geral do Orçamento entre 2005 e 2008, depois das Finanças, foi membro da UTAO, a unidade técnica orçamental de apoio aos deputados, é desde há anos professor no ISEG, foi assessor económico do Presidente Cavaco Silva, e tem uma vida académica consistente e rigorosa, com ‘papers’ publicados, passíveis de escrutínio.

Mais importante, como ficou claro para quem acompanhou os seus textos de opinião e análise no ECO desde a sua fundação, em 2016, tem uma visão para o Ministério das Finanças que vai para muito para além da dimensão orçamental, ou até contabilística, como alguns dos seus antecessores. Fica aqui uma citação:

  • O Ministério das Finanças deve ser um agente ativo na política de competitividade e crescimento económico, através de uma política fiscal que incentive o investimento e a poupança, através da redução dos custos de contexto, das externalidades positivas de melhores serviços públicos e que liberte recursos para a iniciativa privada”.

A comparação entre Miranda Sarmento e Mário Centeno é irresistível. É por isso preciso memória. Quando Centeno chegou às Finanças, ninguém o conhecia, beneficiava por isso dessa condição, que permitiu um certo estado de graça, até condescendência. Mas, para os que têm apenas como referência o que é hoje o governador do Banco de Portugal e a sua dimensão política — e as óbvias ambições, eventualmente para Belém… –, é preciso recordar que o primeiro orçamento de Centeno foi chumbado em Bruxelas. Foi logo em janeiro de 2016, e Portugal passou pelo vexame de ser obrigado a mudar o que tinha proposto. O ano de 2016 foi uma catástrofe (pode ler aqui a análise do ECO) e culminou com o caso Domingues, que só não levou à sua demissão porque o setor bancário estava numa situação difícil.

Miranda Sarmento chega às Finanças mais bem preparado em termos políticos do que Mário Centeno, conhece melhor a máquina do orçamento do que conhecia o atual governador e é ministro de Estado, coisa que Centeno não era. São três condições necessárias, mas não suficientes, para um mandato que some ao equilíbrio orçamental um contributo decisivo da política financeira para a competitividade da economia portuguesa.

O desempenho do Governo, a capacidade reformista, não depende apenas do ministro das Finanças, sobretudo neste equilíbrio parlamentar instável. E Miranda Sarmento foi o coordenador do programa económico da AD que assumiu um objetivo de choque fiscal para a legislatura, um objetivo até arriscado do ponto de vista orçamental e político.

O ministro de Estado e das Finanças chegou a ser apelidado de ‘Centeno de Rio’. Agora, é o ‘Miranda Sarmento de Montenegro’, tudo somado, depende sobretudo de si próprio.

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