Mobilidade Elétrica e os Impactos do AFIR e da RED III

  • Rui Vasconcelos Pinto e António Patrício de Mendonça
  • 7 Maio 2024

O setor da mobilidade elétrica aguarda, com entusiasmo, o fim do processo legislativo em curso para rever o regime jurídico da mobilidade elétrica em Portugal.

A mobilidade elétrica é um setor em exponencial crescimento à escala mundial e é uma tendência incontornável.

Os números demonstram-no: em 2020, 1 em cada 25 automóveis vendidos no mundo era elétrico; em 2023, este número aumentou para 1 em cada 5. O mercado português acompanha esta tendência: 2023 foi o ano em que a rede pública de mobilidade elétrica (gerida pela Mobi.E) registou mais carregamentos, com um crescimento de 68% face a 2022 (tendo sido realizados 3,7 milhões de carregamentos).

Apesar destes desenvolvimentos, estamos apenas no início de um processo para o qual a ambição europeia imporá, de ora em diante, um ritmo ainda mais acelerado.

Referimo-nos ao recente regulamento europeu relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (AFIR), é diretamente aplicável aos Estados-Membros a partir de 13 de abril de 2024, e à também recente revisão da Diretiva das Energias Renováveis (conhecida no setor como RED III).

O AFIR e a RED III vêm introduzir metas ambiciosas e vinculativas – embora alcançáveis – destinadas à expansão da infraestrutura de carregamento público nos Estados-Membros, tanto relativas à potência instalada nas estações de carregamento, como ao número de pontos de carregamento existentes na rede transeuropeia de transportes. Estima a Mobi.E, num estudo apresentado em julho de 2023, que os números de pontos de carregamento tenham de aumentar 78% até 2030 e 93% até 2050, para que as metas do AFIR sejam atingidas.

O cumprimento com estes metas implicará a superação de importantes desafios no seio dos vários modelos nacionais de organização das atividades de mobilidade elétrica.

Em primeiro lugar, destaca-se a necessidade reforçada pelo AFIR de disponibilização de meios de pagamento fáceis, tecnológicos e acessíveis nos pontos de acesso público, favorecendo os denominados carregamentos ad hoc, isto é, carregamentos sem a prévia celebração de um contrato escrito com um comercializador ou prestador de serviços de eletromobilidade e sem necessidade de prévia utilização de uma aplicação digital.

Esta obrigação aplicar-se-á a partir de 13 de abril de 2024 aos novos pontos de carregamento com potência igual ou superior a 50 kW, e aos demais que preencham esse limite mínimo de potência a partir de 1 de janeiro de 2027, exigindo a sua renovação.

O objetivo é o de aproximar a rede de mobilidade elétrica da facilidade de utilização instantânea das ofertas no mercado de combustíveis tradicionais, promovendo-se os carregamentos ad hoc e a possibilidade de os operadores de carregamento fornecerem diretamente a eletricidade aos utilizadores, seja através da integração do papel dos operadores de pontos de carregamento e dos comercializadores, seja com a possibilidade a conferir aos operadores de pontos, caso pretendam, de comercializar diretamente energia, a par dos comercializadores.

Embora o AFIR seja compatibilizável com o quadro legal português da mobilidade elétrica, não deixarão de ser necessários alguns ajustes por forma a permitir aos operadores de pontos de carregamento oferecer carregamentos ad hoc a clientes que o pretendam..

Um segundo desafio a superar pelas leis nacionais prende-se com o desenvolvimento de mecanismos de apoio às atividades de mobilidade elétrica, designadamente de novos estímulos para os utilizadores de veículos elétricos. Neste âmbito, tanto o AFIR, como a RED III vieram promover as funcionalidades de carregamento bidirecional, no âmbito da prestação de serviços de sistema pelos veículos elétricos (vehicle-to-grid), utilizando-se as baterias como soluções de armazenamento para reinserir a eletricidade na rede, em momentos de maior escassez.

A possibilidade de o veículo elétrico reinjetar energia na rede elétrica pode ser uma fonte de receita para os utilizadores dos veículos, diminuindo ao mesmo tempo a necessidade de compra de energia elétrica a partir da rede por edifícios a cuja instalação elétrica o ponto esteja ligado. Pode, ainda, impulsionar, juntamente com unidades de produção em autoconsumo, modelos de partilha local de energia, ou até mesmo diretamente através da injeção na rede nacional. A concretização deste desiderato carece, necessariamente, de uma revisão regulamentar do setor da eletricidade em Portugal, que deverá ter o cuidado de evitar o efeito perverso que existiria se promovesse a utilização excessiva de pontos de carregamento (designadamente em espaços públicos) nos momentos em o preço da eletricidade a injetar compense o pagamento taxa de ocupação do ponto.

Finalmente, e em terceiro lugar, é também importante que os apoios se dirijam à atividade de instalação de novos pontos de carregamento ou de fornecimento de energia aos utilizadores, que terão de acompanhar a rápida expansão da comercialização de veículos elétricos ou híbridos.

Ao nível de apoios à instalação de novos pontos de carregamento (capex), seria positivo que os instrumentos do Programa de Recuperação e Resiliência e Portugal 2030 pudessem ser utilizados para este fim. A nível de apoios à atividade (opex), a RED III traz uma importante novidade, ao prever a atribuição ao carregamento de veículos elétricos com eletricidade renovável de títulos substituíveis de títulos de biocombustível ou similares, com o desejado efeito de valorizar esta atividade.

A transposição desta norma será chave, designadamente no que concerne ao regime do cancelamento das garantias de origem que servirão de demonstração de que a eletricidade utilizada para o carregamento é renovável, bem como à prevenção da dupla contagem da eletricidade verde. A partir deste regime, o mercado ditará como se fará a repartição do valor associado a estes créditos. A consagração destes créditos, para os quais a RED III não prevê uma nomenclatura oficial, será também atrativa para os distribuidores de combustíveis, em face das suas obrigações de incorporação de biocombustíveis.

O setor da mobilidade elétrica aguarda, com entusiasmo, o fim do processo legislativo em curso para rever o regime jurídico da mobilidade elétrica em Portugal, de forma a acomodar todas estas novidades. Espera-se, contudo, que a própria rede elétrica nacional tenha a adequada capacidade de resposta, desde logo ao nível da disponibilidade da infraestrutura para receber os novos pontos de carregamento, ou da rapidez de ligação dos pontos.

  • Rui Vasconcelos Pinto
  • Associado da PLMJ nas áreas de Público, Projetos e Energia
  • António Patrício de Mendonça
  • Associado da área de Público na PLMJ

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