Editorial

Montenegro ganhou, o voto de protesto passou do sofá para o Chega

As regras do jogo mudaram, mas ainda ninguém tem o novo guião. Luís Montenegro ganhou por poucos, Pedro Nuno Santos perdeu por poucos e André Ventura, esse...

Luís Montenegro ganhou as eleições legislativas com uma vitória mínima, precária, mas o grande vencedor da noite é mesmo o partido dos zangados e descontentes que reforçaram o Chega para valores impensáveis, que saíram do sofá e da abstenção para o bolso de André Ventura. O país virou inquestionavelmente à direita, mas foi uma viragem de alto risco, e ficou dividido em três blocos que não falam entre si, o que nos vai levar para outro mundo.

Vamos pelo início: Mais de um milhão de portugueses decidiu investir em André Ventura, contra um sistema que os tratou mal, ou os esqueceu (o que é ainda pior). Escrevi aqui no Login na semana passada:

  • André Ventura é um vazio de lugares comuns, promete soluções políticas fáceis para problemas complexos e, em outras tantas vezes, subsídios e apoios que o país não pode pagar. Ultrapassa o PCP pela esquerda, estatista, e toca nos conservadores reacionários. Não é de extrema-direita, é simplesmente populista. (…) André Ventura também é um problema, porque o falhanço dos partidos do centro, especialmente junto de uma classe média massacrada por impostos e sem serviços públicos que os justifiquem, criou o ambiente propício ao crescimento do Chega. Não são todos fascistas nem xenófobos nem racistas, mas terão encontrado no discurso de André Ventura a ideia de que o Chega seria uma solução“.

Os resultados destas eleições são mesmo ‘estranhos’. Luís Montenegro melhorou os resultados face a 2022, mas ganhou por pouco, Pedro Nuno Santos sofreu um rombo de 12 pontos face às legislativas da maioria absoluta, mas perdeu por pouco, André Ventura ganhou a noite, mas é o único dos três que ainda está a tentar perceber o que vai ser o dia seguinte e o seu próprio papel no futuro do sistema.

Como se sai disto? Luís Montenegro vai ser convidado por Marcelo para ser primeiro-ministro, vai herdar um Orçamento do Estado que não aprovou (já não há Retificativo para ninguém) e vai apresentar uma proposta de programa de Governo que só não passará se for rejeitado por maioria (coisa que Pedro Nuno Santos já disse que não faria). Mas vai ter um teste na proposta de orçamento para 2025, que, nesse caso, precisa de uma maioria de aprovação (o que exige que o Chega ou o PS aprovem, coisa que, à data de hoje, parece improvável).

A governação vai ser um desafio permanente, diário, de negociação e pressão permanentes, num contexto internacional muito difícil. Afinal, o voto invisível de que falava Pedro Nuno Santos existia mesmo, mas não queria este PS, este líder, ficava em casa porque não se revia nos partidos do bloco central, e desta vez decidiu mostrar a sua força no voto em André Ventura. O que sobra?

Numa entrevista recente ao ECO magazine (acesso pago), António Barreto sinalizava o que está agora a entrar-nos pelos olhos dentro:

  • Sou muito crítico [do PSD e PS], mas a primeira crítica que lhes faço é não terem sido capazes, em alguns dos piores momentos que vivemos, de terem encontrado uma solução conjunta. A ideia de que um bloco central, com 60% dos votos, dá cabo de tudo e é mais corrupto que o resto, não é verdade. Se olhar para a vida recente dos últimos 30 anos, não é verdade que o Bloco Central seja mais corrupto que os outros. Já houve maiorias à direita e maiorias à esquerda que foram tão ou mais corruptas do que um bloco central possível (…) toda a gente é contra [um Bloco Central], menos eu. O que mais crítico ao PS e ao PSD foi que, quando foi preciso, não se entenderam, nomeadamente na justiça e na saúde”.

Barreto não poderia antecipar este cenário político dantesco — talvez por isso Pedro Nuno Santos se tenha apressado a dizer que vai para a oposição –, mas a relação de forças e de entendimentos entre a AD e o PS tem de ter outro quadro político, porque o sistema mudou, e exige outras respostas… de todos.

Claro, ser primeiro-ministro faz a diferença e Luís Montenegro vai ter as cartas na mão, se as jogar bem, se não defraudar as expectativas, se souber alargar a sua base de apoio com uma coligação com a Iniciativa Liberal e Rui Rocha, tornará a vida de Pedro Nuno Santos mais difícil.

Luís Montenegro não pode, em circunstância nenhuma, alienar o que é o valor da sua palavra. O ‘não é não’ ao Chega tem de contar, tem de manter-se, mas um milhão de votos (1.108.764 votos, para ser preciso) exige uma resposta, porque não são todos racistas, nem xenófobos. Não poderão ser ignorados, e aí estará a diferença: o novo Governo tem de responder ao protesto destes eleitores sem se sentar à mesa com o Chega.

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