Não foi lapso!?

Mário Centeno e António Domingues parecem esquecer aquele princípio básico que deve orientar a função em cargos públicos. A transparência deveria ser uma condição, não uma consequência.

Não foi lapso, diz o ministro das Finanças em relação à decisão de não incluir a administração da CGD debaixo do estatuto do gestor público. Não foi lapso!? António Domingues é presidente do banco público, tem um salário que justifica não só resultados como a maior das transparências, mas nada disto parece interessar, nem ao governo nem ao próprio.

O que começa mal, tarde ou nunca de endireita, diz o povo, e parece que se ajusta como uma luva ao caso da CGD. O processo já vai longo, começou com uma desconsideração pública da equipa de José de Matos, que não merecia tal tratamento, continuou com a divulgação de nomes para a administração que, depois, foram desconvidados, e com um plano de recapitalização que deu números para todos os gostos e fragilizou o banco público. Teve até uma comissão de inquérito à política de crédito passada e, finalmente, uma negociação com Bruxelas, dura, mas que acabou por permitir uma injeção de capital total superior a cinco mil milhões de euros. Uffa. Sim, ainda faltam os salários.

Tudo somado, parece que há uma inversão de papéis, quem manda é Domingues, quem obedece é Centeno. O presidente da CGD tem um CV que justifica esforços e empenhamento do Governo, até um pacote salarial de 423 mil euros mais prémio, alinhado com o que é pago no setor privado. Mas não justifica todos os esforços, sobretudo aqueles que suscitam as piores desconfianças. A opacidade e a falta de transparência. A CGD pode pagar salários de privados, defendo isso, mas continua a ser um banco público.

Mário Centeno está a enredar-se nas suas próprias explicações, afirma que a gestão tem de prestar contas ao acionista e aos órgãos internos. Parece esquecer – ou confundir – que o acionista não é o governo, somos todos nós, os contribuintes, e por isso António Domingues deveria ser obrigado a depositar os seus rendimentos no Tribunal Constitucional.

Já sabemos qual é o salário de António Domingues e da sua equipa, o que motiva tal exceção? O ECO revelou que Domingues tinha, a 30 de junho, 56 mil ações do BPI e opções (sobre ações) no valor de 233 mil euros. Como as coisas têm sempre a sua explicação, é aceitável admitir que há razões fortes para Domingues não querer divulgar os seus rendimentos, mas se é assim, estará à frente do banco público sob uma permanente pressão mediática. Até sob suspeita. É assim que quer exercer a sua função?

António Domingues foi uma escolha absolutamente acertada de António Costa, um gestor profissional e independente, e formou uma equipa sem pressões partidárias. É sobretudo por isso que é difícil perceber porque é que estão, todos, a desbaratar o capital de confiança com que a nova gestão da CGD entrou em funções.

Mário Centeno vai ter de mudar a sua decisão, porque não é simplesmente aceitável que a gestão da CGD tenha um estatuto de exceção. Veremos se António Domingues aceita e se se mantém à frente da CGD. Seria um golpe de teatro, um murro no estômago, mas já estivemos mais longe.

  • Pois, o mais importante, a CGD, o plano de recapitalização superior a cinco mil milhões de euros, o plano de ação para os próximos anos, os objetivos que o governo fixou – se é que fixou algum, começo a duvidar – para a administração, estão em segundo plano. Não deveria ser ao contrário?

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