Nomadlawyer – Advogados (s)em casa

  • Miguel Miranda
  • 4 Junho 2021

Reaprender a ser Advogado, em toda a sua dimensão, mais pessoal, emocional e mais física, é portanto, o nosso próximo grande desafio.

Uma das principais modificações que a vida dos advogados sofreu ao longo do último ano de confinamentos sucessivos foi a mudança de local de exercício da profissão. O paradoxo entre o antes e o agora é indiscutível. Antes, movíamo-nos de um lado para o outro fisicamente, saíamos de casa de manhã, enfrentávamos o trânsito até ao escritório, lutávamos pelo estacionamento, discutíamos com os colegas de sala, tomávamos café na copa, almoçávamos hoje num restaurante, amanhã noutro, outras vezes no escritório, reuníamos frente a frente com clientes, com colegas, tínhamos diligências presenciais em tribunais, comparecíamos fisicamente em assembleias gerais, dizíamos boa noite ao porteiro, tomávamos um copo ao final do dia, íamos ao cinema, ao teatro, a um concerto de quando em vez e seguíamos a correr para Casa. Antes, lembro-me que debatíamos a importância do chavão “work life balance” e esforçávamo-nos para estar um pouco mais de tempo com os nossos amigos e familiares, tentávamos não “entrar pelo fim de semana” com trabalho pendente e, assim, íamos levando as nossas vidas.

O último ano mostrou-nos uma realidade nova: ficar em Casa. Ficar em casa a trabalhar. Ficar em casa a tomar o pequeno-almoço, o almoço, o lanche, o jantar. Ficar em casa junto à máquina de café a tirar cafés sozinhos. Ficar em casa a pensar com os nossos botões, ir ao cinema e a concertos na web ou passear na varanda.

E, impotentes, por vermos a nossa casa a ser devassada pelas reuniões de zooms, teams, webexs e quejandos, umas atrás das outras, normalmente sem fim à vista, rompendo com as rotinas domésticas, com o nosso lazer, com a nossa intimidade.

Ora, é natural que, a certa altura, nascesse a dúvida e começássemos a questionar o que se estava, afinal, a passar …

E, com isso, começámos a ter saudade da nossa outra (segunda?) casa, daquela onde passávamos a maior parte do tempo acordado, na casa que nos deixava, ao final do dia, voltar para a nossa Casa.

E, com a saudade, veio a vontade: de regressar ao escritório, de retomar as conversas de corredor, de voltar a ouvir as dicas que nos inspiram, de recuperar as pequenas partilhas pessoais que, no rebuliço do dia, nos distraem por escassos minutos dos assuntos em que estamos a trabalhar. Começámos a sentir a urgência de estar com pessoas por perto, com os nossos colegas, com os nossos clientes, com o Costa e o Teixeira do café em frente.

E foi, então, que demos finalmente conta do que nos acontecera durante todo este tempo: deixámos de poder chegar a Casa!

Ao que parece – e se esperarmos que aconteça aquilo que todos queremos que aconteça – em breve, estaremos de volta aos escritórios. De volta ao convívio com os nossos colegas, aos almoços e jantares com clientes, às reuniões cara a cara.

Mas, para isso correr de feição, receio que tenhamos que reaprender algo que poderemos ter perdido pelo meio. Reaprender a estar com pessoas, a olhá-las como um todo e não apenas como mais uma “cara digital”.

Reaprender a ser Advogado, em toda a sua dimensão, mais pessoal, emocional e mais física, é portanto, o nosso próximo grande desafio. Porque, na verdade, foi disso que nos desabituámos, quando, sem querer, perdemos o “direito de chegar a casa”.

Um pequeno diálogo do ultra premiado filme “Nomadland”, da realizadora Chloé Zhao, sintetiza, com impressiva simplicidade, o que estou a tentar dizer:

“- My mother says you`re homeless. Is that true?

– No. I`m not… homeless. I`m just… houseless.”

  • Miguel Miranda
  • Sócio da PRA-Raposo, Sá Miranda & Associados

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