O caminho para a transparência nunca é linear

  • Flavia Micilotta
  • 4 Maio 2021

O objetivo é combater o greenwashing e tornar os diferentes produtos financeiros com denominação de sustentabilidade comparáveis entre si, em benefício dos investidores pequenos e institucionais.

O Regulamento da UE sobre divulgação de informações de sustentabilidade no setor dos serviços financeiros (SFDR) foi originalmente publicado em dezembro de 2019 e faz parte do pacote de medidas da União Europeia que dizem respeito à sustentabilidade ambiental, social e de governança (ESG).

O SFDR estabelece requisitos de divulgação relacionados com a sustentabilidade que terão de ser disponibilizados nas fichas dos produtos financeiros e no site das empresas gestoras de ativos. O regulamento visa todos os gestores de ativos, independentemente da sua oferta de produtos ESG atual, e exige que as empresas considerem seriamente os investimentos sustentáveis a nível estratégico, constituindo uma oportunidade para estes de dar coesão às suas estratégias de investimento responsável.

Com o objetivo de orientar os participantes do mercado financeiro, as Autoridades Europeias de Supervisão – as ESAs –, que inicialmente foram mandatadas pela Comissão Europeia para incorporar as considerações ESG nas suas frameworks de análises de risco, ficaram também encarregues de “desenvolver Normas Técnicas de
Regulamentação (RTS – Regulatory Technical Standards) sobre o conteúdo, metodologia e apresentação das divulgações ESG, tanto a nível da entidade como a nível do produto”.

Há cerca de um ano, em abril de 2020, as ESAs lançaram o primeiro documento de consulta pública a fim de recolher contributos sobre as divulgações ESG propostas nas normas. Esta primeira versão das RTS não foi bem recebida pelo setor, que encontrou várias falhas e considerou de difícil implementação. Os resultados da auscultação foram incorporados nas alterações efetuadas e uma nova versão foi lançada em fevereiro deste ano. Originalmente, as RTS eram para ser publicadas até ao final do ano passado para atender às necessidades do setor em começar a cumprir com a regulamentação SFDR até 10 de março de 2021.

Esta data tornou-se um mantra temido pelo indústria de gestão de ativos, que se tem vindo a preparar tendo em vista este prazo. Mesmo assim, e tendo em conta o nível de insatisfação da primeira proposta das RTS, o prazo de aplicabilidade da regulamentação SFDR manteve-se, tendo sido dada indicação às empresas para usarem a versão existente das RTS como “referência” durante “o período provisório entre a data requerida de submissão em março e a apresentação da versão final das RTS, feita numa fase posterior”.

Pouco depois da versão renovada das RTS ter sido publicada, a 25 de fevereiro, as ESAs emitiram uma declaração conjunta de supervisão que conta com orientações específicas sobre o calendário de divulgação dos Principais Impactos Adversos (PAI – Principal Adverse Impacts) tanto ao nível da entidade como para o reporte financeiro dos produtos financeiros. A declaração conjunta expressa ainda a necessidade de alinhamento do setor na aplicação destas RTS, o que justifica o adiamento da implementação formal até janeiro de 2022. Este foi um passo extremamente necessário para garantir o sucesso da diretiva, que constitui uma revolução para a indústria financeira, na medida em que determina uma profunda alteração na forma como os investimentos sustentáveis são considerados.

Na verdade, o principal objetivo deste regulamento quando foi concebido foi o de aumentar a transparência no espaço de investimento sustentável de forma transversal, estabelecendo referenciais de reporte claros acerca destes produtos. O objetivo a longo prazo é de facto combater o greenwashing e tornar os diferentes produtos financeiros com denominação de sustentabilidade comparáveis entre si, em benefício dos investidores pequenos e institucionais. Até à data, os produtos financeiros que afirmavam ter uma componente ESG ou de sustentabilidade não tinham de cumprir qualquer requisito em termos de reporte ou métricas específicas.

Isto levou ao desenvolvimento de uma série de rótulos e frameworks diferentes que os gestores de ativos podiam escolher de forma a diferenciar os seus produtos. Esta panóplia de certificações (com diferenças em relação à origem geográfica, foco de sustentabilidade e âmbito) não ajudou a criar condições base para um aumento significativo do nível de qualidade e transparência de produtos de investimento sustentáveis.

Não seria expectável que o regulamento SFDR fosse perfeito à primeira, e na verdade muito foi alcançado num espaço de tempo relativamente pequeno. A versão das RTS de fevereiro traz mais clareza ao que é pedido e torna também os objetivos de reporte mais realistas. Por exemplo, os indicadores PAI foram significativamente reduzidos e houve maior foco no clima e ambiente, juntamente com os temas sociais e de emprego.

Embora a nova versão traga mais clareza relativamente aos PAI e às obrigações verdes (green bonds com foco apenas no projeto visado), ainda não é claro de que forma as outras classes de ativos serão afetadas e falta orientação quanto a esta matéria. São dados esclarecimentos adicionais sobre as sociedades-mãe, o que obriga os participantes do mercado financeiro a recolher informações sobre os PAI dos investimentos subjacentes.

Isto está, naturalmente, dependente da disponibilidade de dados ESG mas também indiretamente relacionado com a taxonomia. A Comissão Europeia encontra-se a fazer grandes progressos nesta área bem como a desenvolver novas normas de reporte de informação não-financeira que terão de ter em consideração a taxonomia de forma a garantir que esta nova forma de reporte vai de encontro às expectativas dos participantes no mercado financeiro no que diz respeito ao cumprimento das obrigações SFDR. Um ato de equilíbrio cuidadoso, com claras questões de sequência para determinar e moldar o futuro do financiamento sustentável na Europa e mais além.

  • Flavia Micilotta
  • Sustainability Adviser e membro do Reporting Lab do EFRAG – European Financial Reporting Advisory Group

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