O caso de amor de Portugal com os automóveis – e porque é altura de seguir em frente

  • Mário de Morais
  • 13:39

Ter um carro vai além de uma simples transação; é uma experiência profundamente emocional, frequentemente ligada ao nosso sentido de identidade, liberdade e até a alguma nostalgia.

Todos os dias, as artérias de Lisboa são entupidas com centenas de milhares de carros – muitos deles velhos, movidos a combustíveis fósseis e que não vão a lado nenhum. Chamamos-lhe hora de ponta, mas a verdade é que se trata mais de colesterol urbano.

Para muitos, quando conseguimos a nossa carta de condução, ter um carro é o passo seguinte; seja ele dos pais, dos avós, ou em segunda mão do stand que oferece o melhor preço. Em Portugal, tal como em muitas partes do mundo, ter um carro vai além de uma simples transação; é uma experiência profundamente emocional, frequentemente ligada ao nosso sentido de identidade, liberdade e até a alguma nostalgia.

Apesar da expansão das redes de transportes públicos e do crescente debate sobre sustentabilidade e meios de mobilidade partilhada, o automóvel particular continua a ser um objeto de desejo, um símbolo de conquista e, ainda, uma parte indispensável do dia a dia.

Divide-se então o debate em duas vertentes: a sustentabilidade dos veículos e o número destes. Apesar dos esforços do Estado e da União Europeia, e de um aumento expressivo na venda de veículos elétricos (mais de 42 mil unidades em 2023, um crescimento de 92% face a 2022), o parque automóvel português continua a carburar combustíveis fósseis na sua grande maioria – a acrescentar à sua velha idade. Cerca de um quarto dos veículos têm mais de 20 anos e a idade média ronda os 14. Haverá falta de incentivos à renovação?

Acho que parte da resposta está, como referi no lance inicial desta opinião, na relação romantizada que muitos portugueses mantêm com os seus automóveis. Contudo, este apego representa um desafio numa era em que a responsabilidade ambiental é mais urgente do que nunca, e vem muitas vezes à custa de um outro bem valioso, o nosso tempo útil.

À medida que avançamos na transição para um sistema de transporte mais sustentável, talvez o desafio não esteja em quebrar este vínculo, mas sim em reformulá-lo. Não significa abdicar da paixão pela condução, mas antes adaptá-la a uma nova era. Em vez de resistir à mudança, podemos abraçar veículos que oferecem a mesma sensação de liberdade, mas de forma mais amiga do ambiente. Necessário mesmo é incentivar, com apoios quiçá mais direcionados às novas gerações, à adoção de veículos elétricos (como por exemplo o Dístico Verde da EMEL); impulsionar o investimento e consciencialização pública para serviços de mobilidade partilhada e transportes públicos; por fim, talvez mais importante, a criação de infraestruturas mais adequadas para a mobilidade suave e elétrica, por forma a que o nosso país tenha capacidade de resposta para quando a maior vaga de adoção chegar – do meu lado, creio que já esteve mais longe.

Se conseguirmos canalizar esta ligação emocional para escolhas mais conscientes, então os portugueses poderão continuar a escrever belas histórias ao volante. Só que, desta feita, talvez com um traço mais limpo e verde.

  • Mário de Morais
  • Responsável de Ride-hailing da Bolt em Portugal

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