O cenário macroeconómico do PSD: um buraco de 4.750 milhões

No passado, este tipo de exercícios de magia acabou por resultar em derrapagens, orçamentos retificativos e cortes nos rendimentos.

O cenário macroeconómico do PSD: um buraco de 4.750 milhões de euros no défice orçamental que antecipa cortes nas pensões, salários e SNS.

Em julho Rui Rio apresentou o cenário macroeconómico do PSD para os próximos 4 anos e que serve de base às políticas financeiras do seu programa eleitoral. Naquele cenário destacam-se duas áreas:

  1. um plano radical de redução de receita do Estado;
  2. uma promessa de quase duplicação do investimento público entre 2019 e 2023.

Estes dois pacotes de medidas eleitorais contribuem para criar um buraco de cerca de 4.750 milhões de euros nas contas públicas, ou seja 2,3% do PIB. Nas restantes áreas, o PSD promete tudo a todos, mas sem especificar ou quantificar.

No entanto, é mais provável que este programa acabe por se traduzir em cortes profundos no SNS, nas pensões e nos salários e num regresso às derrapagens orçamentais e à instabilidade. Em alternativa, como aconteceu nas duas últimas vezes em que o PSD ganhou as eleições, o choque fiscal transforma-se, depois das eleições, num (brutal) aumento de impostos.

Para se perceber o irrealismo do cenário PSD comparemos com o cenário do Conselho das Finanças Publicas (CFP) que lhe serve de base. Face a este cenário, o PSD propõe um corte de receita de 3.700 milhões de euros e um aumento da despesa de 1.050 milhões de euros (nomeadamente através do aumento do investimento público) e ainda assim consegue a proeza de uma melhoria do saldo orçamental superior à do cenário do CFP: uma melhoria do de 0,8 p.p. no caso do PSD comparando com 0,2 p.p. no caso do CFP. Verdadeira alquimia!

O milagre do crescimento da receita pode acabar num aumento de impostos

O cenário do PSD apresenta medidas drásticas de redução de receita do Estado até 2023, no valor de 3.700 milhões de euros por ano, o equivalente a cerca de 1,5 p.p. do PIB. Para se ter uma ideia da sua dimensão, esta redução seria de longe a mais elevada de entre todos os países da zona euro nos seus programas de estabilidade (Portugal estima uma redução de 0,6 p.p. e a média de redução na zona euro é de 0,25 p.p.).

Para compreendermos melhor o logro destas propostas do PSD, vejamos em que se baseia aquele cenário macroeconómico. O PSD prevê um milagre da multiplicação da receita: entre 2019 e 2023, as instituições independentes, como o FMI e o Conselho das Finanças Públicas, estimam um aumento médio da receita total do Estado de 11 mil milhões de euros. O PSD estima, certamente por milagre, que esse aumento seja de 15 mil milhões. Ou seja, a receita que nos prometem cortar é a receita que não existe em nenhuma estimativa independente. A isto chama-se um logro.

Variação da Receita Total do Estado (ME) entre 2019 e 2023

Só com este milagre do PSD é possível que, mesmo após a promessa de redução de receita no valor de 3.700 milhões, a evolução da receita total do Estado previsto pelo PSD se mantenha muito semelhante à do programa de estabilidade e à média das previsões das instituições independentes, apesar destas não incluírem nos seus cenários medidas de redução de receita do Estado.

O PSD provocaria, assim, um buraco no défice orçamental superior a 3.000 milhões de euros, considerando apenas o lado da receita. Assim parece muito fácil preparar um programa eleitoral. No passado, este tipo de exercícios de magia acabou por resultar em derrapagens, orçamentos retificativos e cortes nos rendimentos. Um passado que esta legislatura felizmente deixou distante.

Considerando o cenário do Conselho das Finanças Públicas (CFP), que serve de base ao cenário do PSD, são introduzidas medidas de corte na receita de 3.700 milhões de euros mas, no final, no cenário do PSD, a receita do Estado aumenta mais cerca de 2.000 milhões face ao cenário do CFP. Milagre!

Na verdade, não são só as instituições independentes que não preveem este milagre. O próprio PSD, ou pelo menos o principal mentor do seu programa financeiro, Joaquim Miranda Sarmento, também não parecia acreditar neste milagre apenas há uns meses. Em janeiro, antes de começar o leilão de promessas eleitorais, no contexto da apresentação de um livro sobre finanças públicas, afirmou ao semanário Expresso:

“Há pouca margem para baixar impostos porque temos uma dívida pública muito elevada.”

Joaquim Miranda Sarmento, Expresso, janeiro de 2019

Que medidas concretas propunha então Joaquim Miranda Sarmento no seu livro publicado este ano, uns meses antes do início da febre eleitoral? Três medidas de aumento de impostos!

  1. Aumento do IRS em 40 euros para 2,5 milhões das famílias mais pobres,
  2. Aumento do IRC para as 302 mil empresas que não pagam IRC,
  3. Aumento da taxa de IVA da restauração de 13% para 23%.

Não é proposta no livro qualquer medida concreta de redução de impostos, tendo em consideração as preocupações referidas pelo autor com o elevado nível de dívida pública e com as fragilidades do financiamento do Estado Português.

Não se trata aqui apenas de uma diferença pontual (e até natural) entre as propostas de Joaquim Miranda Sarmento e as de um programa de um partido, em que é normal algumas medidas específicas serem substituídas por outras de impacto financeiro semelhante. Trata-se antes de uma visão diametralmente oposta, entre o que o principal responsável do programa financeiro do PSD apresenta no seu livro e o que uns meses depois, à beira das eleições, defende no programa eleitoral do PSD. Uma contradição insanável.

Uma vez mais arriscar-nos-íamos a que a promessa eleitoral do PSD de um choque fiscal se transformasse, depois das eleições, num aumento de impostos (como aconteceu com Durão Barroso e Passos Coelho) desta vez pelo menos para as 2,5 milhões das famílias portuguesas mais pobres, como propõe Joaquim Miranda Sarmento.

A promessa da duplicação do investimento público

No Programa de Estabilidade, o Governo estima um aumento elevado do investimento público de 2,1% para 2,6% do PIB até 2023. Este aumento do investimento é baseado num levantamento rigoroso das obras em execução e contratação (e portanto irreversíveis) como as da ferrovia, dos metros de Lisboa, Porto e Mondego e no SNS, entre outras. Esta previsão do aumento do investimento foi já confirmada pelas previsões da Comissão Europeia (para 2019 e 2020).

O aumento do investimento público previsto pelo Governo, a par com o da Eslováquia, é dos maiores de entre os previstos pelos países da zona euro nos seus Programas de Estabilidade. É também por isso que o Governo tem defendido que é um programa de investimento público bastante ambicioso e exigente do ponto vista orçamental.

Por sua vez, o PSD propõe um aumento estratosférico do investimento público, o que implicaria quase duplicar em valor absoluto (cerca de 90%) o investimento em apenas 4 anos, passando de 2% para 3,2% do PIB, entre 2019 e 2023. Este aumento estratosférico do investimento público, proposto pelo PSD, não tem qualquer paralelo na Europa, seria o triplo (1,2 p.p. do PIB) do país da zona euro com maior aumento do investimento (0,4 p.p. do PIB).

Não é apenas a realidade a desmentir o programa do PSD para o investimento público. Mais uma vez, o próprio PSD, ou pelo menos o seu porta-voz Joaquim Miranda Sarmento, que não parece acreditar nem defender este aumento estratosférico do investimento. No seu livro, ainda antes de começar o tempo do leilão de promessas eleitorais, defende pelo contrário uma redução do investimento dos atuais 2% para 1,5% do PIB * (!), e acrescenta a propósito do investimento público:

“Não há espaço para aventuras orçamentais e tem de existir equilíbrio nas contas públicas, a economia não pode ser estimulada pelo investimento público.”

Joaquim Miranda Sarmento, janeiro de 2019 **

Outra contradição insanável entre o pensamento do responsável pelo cenário macroeconómico do PSD e o cenário orçamental eleitoralista. Como se costuma dizer “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz”.

Depois do que o País sofreu no passado, e tendo em consideração o ainda elevado nível de dívida pública, Portugal precisa de políticos e propostas orçamentais responsáveis e credíveis. E não de ser colocado à deriva e ao sabor das tentações eleitorais de última hora.

Que cortes pretende o PSD fazer no SNS, pensões e salários?

O PSD propõe à beira das eleições a maior redução de receita do Estado (em % do PIB) entre todos os países da zona euro, ao mesmo tempo que promete um aumento estratosférico do investimento público sem paralelo em outros países da Europa. O impacto conjunto das medidas de redução de receita fiscal e do aumento do investimento público (2,7 p.p. do PIB) do cenário do PSD é mais do dobro do que no país da zona euro em que este esforço é mais elevado (1,3 p.p. na Grécia). Isto quando o responsável pelo seu cenário macroeconómico, uns meses antes, defendia exatamente o oposto. Muito pouco credível.

Trata-se do mesmo responsável que durante anos, aqui neste mesmo jornal, defendeu que o ajustamento orçamental do país nos últimos anos era meramente nominal e não estrutural, ao contrário do que foi amplamente reconhecido internacionalmente e com Portugal a atingir o Objetivo de Médio Prazo em 2019, um ano antes do previsto. Agora, em plena campanha eleitoral, é conveniente para o PSD reconhecer implicitamente que afinal a redução do défice orçamental foi robusta e estrutural a tal ponto que abriria espaço para todo o tipo de promessas eleitorais do PSD.

Não será portanto viável, com as propostas do PSD, manter as contas públicas equilibradas sem reduzir drasticamente a restante despesa e o rendimento dos portugueses. É provável que as propostas do PSD acabassem antes em derrapagem financeira ou em cortes profundos na restante despesa do Estado, como o SNS, os salários, as pensões e outras prestações sociais, tendo em consideração que estas representam cerca de 85% da despesa primária da Administração Central do Estado.

O PSD devia então explicar como vai aplicar cortes nestas áreas? No cenário do PSD já se assume uma redução à partida de cerca 6,5% do peso no PIB destas despesas, menos 2.000 milhões do que no Programa de Estabilidade (mais um buraco nas contas do PSD). Esta redução teria que ser muito agravada no cenário provável de a receita não crescer como o previsto pelo PSD. Em alternativa, como o próprio Rui Rio já assumiu, o PSD deixa cair as suas promessas eleitorais. Infelizmente um clássico, que esta legislatura também deixou para trás.

Vai o PSD voltar a congelar os salários e pensões? Reduzir o número de médicos, enfermeiros e professores? Vai aumentar o IRS para as 2,5 milhões de famílias mais pobres e vai também aumentar o IRC para as 302 mil PME como defende Joaquim Miranda Sarmento?

O País não precisa de voltar às derrapagens financeiras, à instabilidade e aos cortes do passado. O País precisa de continuar com uma política sustentável, que mantenha a estabilidade e confiança, e que ano após ano garanta a melhoria continuada dos rendimentos e o reforço do investimento nos serviços públicos, como a educação e a saúde.

Principais medidas do Livro “A Reforma das Finanças Públicas em Portugal” de Joaquim Miranda Sarmento

* Ver tabela 2 do artigo, apresentada na página 103 do Livro do prof. Joaquim Sarmento “A reforma das Finanças Públicas em Portugal”
** Página 51 do livro.

  • Economista, doutorado pelo M.I.T., professor no ISCTE e secretário de Estado do Orçamento

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