O custo ‘invisível’ do ‘seguro’ da rede elétrica

  • João Nuno Serra
  • 16:54

Olha-se normalmente para o custo da produção, mas existe uma fatia do custo total que é pouco referida e tem crescente importância na evolução do nosso sistema elétrico.

Muito se tem falado sobre o custo da eletricidade e o seu impacto no nosso dia a dia, à medida que avançamos na transição, fundamental, para a descarbonização do setor. Olha-se normalmente para o custo da produção, mas existe uma fatia do custo total que é pouco referida e tem crescente importância na evolução do nosso sistema elétrico. O que são então estes custos de regulação e de serviços de sistema, que todos os consumidores estão a pagar na sua fatura de energia elétrica?

Um enquadramento rápido é necessário. No contexto do Sistema Elétrico Nacional (SEN), os serviços de sistema são mecanismos que asseguram o equilíbrio entre a geração e o consumo, da frequência da rede em 50Hz, a tensão nos níveis normalizados e adequados, para que todos os equipamentos elétricos que temos nas nossas casas e empresas possam funcionar corretamente.

Estes mesmos serviços asseguram uma reserva de capacidade de geração dos centros electroprodutores, para responderem em tempo útil, ao tal equilíbrio que é necessário ter, do ponto de vista de segurança operacional, entre consumo e geração de energia elétrica.

Os custos associados ao acionamento de centrais, estão assim relacionados com a reserva de regulação (primária, secundária a terciária), o denominado “despacho” (acionar de unidades de produção de energia) fora da ordem de mérito económico, ou seja, centrais que são chamadas a funcionar, mesmo que não sejam as mais baratas, para garantir a segurança de abastecimento da rede.

Estes encargos essenciais, e que refletem também a complexidade e crescente sustentabilidade da nossa produção elétrica, são suportados pelos consumidores e pagos ao operador da rede de transporte – REN, que gere o sistema elétrico em tempo real.

Mas como têm evoluído estes custos na fatura mensal de eletricidade?

Segundo o último relatório da REN – Redes Energéticas Nacionais, respeitante ao último semestre deste ano, mas que historicamente apresenta dados desde 2021, os valores destes custos têm evoluído de forma muito expressiva.

Em 2021, os encargos da regulação imputados ao consumo representaram 1,38 €/MWh consumido. Em 2022, mais do que duplicaram para 3,01 €/MWh. Em 2023, voltaram a subir e, em média, ficaram nos 4,90 €/MWh. Já em 2024, fixaram-se num valor record de 8,00 €/MWh.

Só no primeiro semestre deste ano, o valor dos encargos da regulação imputados ao consumo já alcançou o valor de 12,72 €/MWh – e creio que não ficará por aqui!

A razão é relativamente fácil de explicar: o atual sistema elétrico é de maior complexidade do ponto de vista das centrais de geração e mesmo do ponto de vista do consumo.

É de realçar, em primeiro lugar, que o crescente consumo, por exemplo na mobilidade elétrica, que representa um vetor essencial na nossa transição energética, traz para a gestão da rede a complexidade para fazer atuar e ter disponíveis centrais para acudir às horas de maior consumo. Sendo as centrais que respondem ao consumo maioritariamente renováveis (e ainda bem), isto implicará, por si só, que o gestor global do sistema tem de ter outras centrais, por exemplo com armazenamento de energia, sob a forma química (baterias) ou reserva de água (barragens), para responder em tempo útil às intermitências provocadas pela meteorologia das fontes renováveis que alimentam essa mesmas centrais.

Estas alterações profundas têm um preço. Sol na eira e chuva no nabal sempre foi um desígnio difícil de alcançar. Hoje, ter capacidade disponível para evitar mais apagões deve ser entendida por todos como uma espécie de seguro, que temos de pagar, para ter estabilidade da nossa rede elétrica.

A Banda Secundária já custou este ano 3,71 €/MWh; a BmFRR – Banda de Reserva de Restabelecimento de Frequência com Ativação Manual chegou a 1,45 €/MWh; e as Restrições Técnicas fixaram-se em 7,56 €/MWh.

A evolução mostra um aumento relevante, pois a volatilidade e incerteza levaram a maiores necessidades de reserva dinâmica.

Como estes encargos comparam com o preço médio aritmético do mercado diário de energia – OMIE? Em cinco anos, aumentaram 20%. Na tabela seguinte apresenta-se resumidamente esses valores:

Em conclusão, aquilo que estamos a assistir é a uma descida da tarifa negociada em mercado diário, no OMIE, como consequência da incorporação das nossas fontes renováveis, mas o custo da “apólice de seguro” exigido para ter o nosso sistema elétrico equilibrado está a crescer. Hoje, tem um peso no preço da tarifa diária 16 vezes superior ao registado há cinco anos.

Não podemos, por isso, pensar que, quando temos energia a zero no OMIE – porque os menores custos associados a uma maior capacidade de energia renovável podem levar a picos de produção claramente acima da procura em alturas específicas do dia –, isso significará viver sem pagar a energia que consumimos. O real custo de termos a energia nas nossas casas e empresa está muito para lá do simples preço do OMIE.

  • João Nuno Serra
  • Presidente da ACEMEL -- Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado

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