
O custo silencioso do idadismo
Portugal precisa urgentemente de repensar a forma como valoriza os seus profissionais mais velhos. Não por caridade ou por nostalgia, mas por estratégia.
Portugal está a envelhecer. E ainda bem. A esperança média de vida continua a aumentar, sinal claro de progresso. Contudo, há um paradoxo instalado nas empresas portuguesas: por um lado, exige-se que trabalhemos até mais tarde, por outro, deita-se fora o valor dos profissionais mais velhos como se fossem obsoletos. Chamemos-lhe pelo nome: idadismo.
Muito se fala sobre retenção de talento, escassez de mão-de-obra qualificada, necessidade de formação contínua e inovação. Mas raramente se olha para um dos recursos mais subvalorizados do mercado de trabalho, os trabalhadores com idade acima de 55 anos. Aqueles que carregam décadas de experiência, conhecimento tácito e capacidade de adaptação comprovada. Precisamente aquilo que tantas empresas dizem procurar.
Segundo um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, mais de um em cada quatro trabalhadores acima de 55 anos já sentiu na pele discriminação com base na idade. E em vez de serem valorizados pelo know-how e estabilidade que oferecem, muitos acabam por ser afastados discretamente, deixados de fora de formações, preteridos em promoções, empurrados para rescisões amigáveis ou reformas antecipadas. Não por falta de competência, mas por excesso de idade.
Isto, num país onde a idade legal da reforma sobe progressivamente e a pressão demográfica aponta para a necessidade de mantermos a população ativa durante mais tempo. Que sentido faz?
Este é um fenómeno transversal. Não é exclusivo de um setor ou de empresas maiores ou mais tradicionais. É uma mentalidade difusa, subtil, muitas vezes inconsciente – mas profundamente destrutiva. A ideia de que “já não se adaptam”, “ganham demais”, “não têm ritmo” ou “não percebem tecnologia” continua a justificar a saída precoce de milhares de profissionais altamente válidos. É um desperdício de talento com impacto real: na produtividade, na cultura organizacional e até nas contas públicas.
Exemplos sobejamente conhecidos, e consensuais, são os dos professores e médicos quando se reformam. Aqui, já todos sentimos na pele a sua falta, porque alegadamente não há quem os substitua.
Mas e os inúmeros setores menos mediáticos, onde isto também acontece? Quantos destes profissionais estariam ainda em condições de contribuir? E quantos não o fazem, simplesmente porque a cultura vigente não os valoriza nem os faz sentir desejados…
Mas o mais irónico é que o idadismo é um autoflagelo. Quem hoje contribui para esta lógica, seja ao eliminar currículos mais “maduros”, seja ao empurrar para fora colegas mais seniores, está, na prática, a sabotar a última fase da sua própria carreira. Porque, se nada mudar, amanhã será essa pessoa o “velho a mais” na empresa.
Será interessante verificar quem define que alguém “já deu o que tinha a dar”. Bem como a métrica que determina quando se deixa de ser inovador, útil ou adaptável. Ou, ainda, por que razão essa métrica parece estar sempre do lado de quem ainda não chegou a esse estádio profissional.
Talvez tenhamos todos interiorizado um falso mito de progresso: o de que as empresas só evoluem com sangue novo. Mas a verdadeira inovação, a sustentável, nasce do equilíbrio intergeracional. De equipas que misturam irreverência com experiência, ambição com sabedoria.
Sim, é mais difícil gerir gerações diferentes sob o mesmo teto. Exige escuta, empatia e liderança. Mas os resultados, quando isso acontece, falam por si; equipas mais diversas são mais criativas, mais resilientes e eficazes. Só que, para isso, é preciso ultrapassar o preconceito. Deixar de tratar a idade como um obstáculo, começar a vê-la como aquilo que é, um trunfo.
Porque o problema não está na idade. Está em como a interpretamos. E enquanto continuarmos a associá-la a declínio e a torná-la motivo para exclusão, vamos perder o que mais falta nos faz, pessoas com provas dadas, com bagagem real e vontade de continuar a contribuir.
Portugal precisa urgentemente de repensar a forma como valoriza os seus profissionais mais velhos. Não por caridade ou por nostalgia, mas por estratégia. Por visão de futuro. Porque envelhecer é inevitável, mas tornar-se descartável não tem de o ser.
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