O direito à internet

Deve a internet ser um bem de primeira necessidade e um direito essencial, como a saúde e a educação? A discussão é política e bem interessante.

Na pirâmide de Maslow do Século XXI, a internet faz certamente parte da lista de bens essenciais para a vida moderna. Por isso é que a discussão sobre dever ser o Estado a fornecê-la – ou não – é tão fascinante.

O líder da oposição em Inglaterra, Jeremy Corbyn, incluiu a internet gratuita no seu programa eleitoral – e o tema também foi falado esta semana na Assembleia da República. O plano inglês é ambicioso: prevê a nacionalização de uma empresa (o que custará à volta de 20 biliões de libras) e coloca nas mãos do governo um enorme projeto de infraestruturas, a ser pago por um novo imposto sobre os gigantes da tecnologia que cubra os custos de lançamento e de manutenção do serviço governamental. Claro que muitas vozes se ouviram contra, acusando a ideia de ser “comunista”, e muitas vozes também a favor da original ideia.

É fácil fazer a defesa da internet para todos: esta é uma ferramenta essencial de comunicação e educação, permitindo a inserção integral na sociedade. É esperado que qualquer elemento “normal” da sociedade com mais de 12 anos tenha acesso à internet e possa usá-la com razoável grau de liberdade. E é também óbvio que a internet de alta velocidade é uma ferramenta essencial para a economia com ganhos de competitividade determinantes.

Mas o Estado não ofereceu telefone gratuito para todos ou sequer livros gratuitos – o que oferece é acesso a edições publicadas, em ambientes controlados (bibliotecas e escolas), facilitando o acesso de forma indireta. Por isso a pergunta: deve o estado oferecer acesso gratuito à internet a todos os utilizadores? E é para aí que deve ser canalizado o dinheiro de um futuro imposto às tecnológicas, como propõe Corbyn?

Há outra linha de contraponto a uma tarefa desta dimensão. Os grandes projetos de infraestruturas tendem a correr mal quando são geridos e implementados diretamente pelo Estado central, com atrasos e custos descontrolados. Uma solução destas, seja no Reino Unido ou em Portugal, enfrentaria certamente muitos problemas de execução e valeria de pouco em termos de resultado final. Na Austrália, o único país que tentou algo parecido, a coisa está a correr muito mal.

Uma possibilidade intermédia passa pela disponibilização de internet gratuita em locais públicos. Isso ajuda a garantir acesso a todos, reduz brutalmente os custos e a gestão operacional e permite aplicar o retorno de um futuro imposto tecnológico onde ele faça mais falta – por exemplo no combate à iliteracia digital, na educação para a internet dos mais velhos, no apoio à informação produzida por media de qualidade e no combate às campanhas de desinformação que são cada vez mais comuns.

No caso de Portugal, que até tem um bom rácio de velocidades, ainda há muito para fazer. Em princípio, dois terços do território estarão cobertos por internet gratuita – graças à candidatura dos municípios a fundos da União Europeia através do programa WiFi4EU. Mas o terço restante sofre agora de uma desigualdade injusta a que esta legislatura tem de dar resposta.

É até mais fácil fazer a defesa da internet a nível global, especialmente em países que não têm infraestrutura de comunicações e/ou onde o acesso é controlado por governos não-democráticos. Aí, sim, o argumento do desenvolvimento é completamente válido e necessário, até porque a internet já não é global, longe disso. A rede global está partida em blocos que dependem das conveniências estratégicas, para lá dos diversos bloqueios que, do Irão à Venezuela, vão sendo postos em prática.

Ler mais: Tubes é um livro do jornalista Andrew Bloom conta a história do que está escondido dentro dos cabos e dos routers das nossas conexões 3g e 4g. É o relato das entranhas da net, que viaja desde os gigantescos centros de dados do midwest americano através dos cabos submarinos que se ligam a Portugal e vão até à costa de África, passando pelos engenheiros que todos os dias tomam decisões essenciais sobre o futuro das nossas ligações.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O direito à internet

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião