O Google não é a última coca-cola do deserto

Sei que parece, mas não é. Numa altura em que a multinacional ameaça fechar o site na Austrália, vale a pena lembrar que há boas alternativas ao motor de busca. E são melhores do que pensa.

Imagine a sua vida sem pesquisas no Google. Parece um pesadelo, certo? Agora, pense melhor. Trata-se, de longe, do melhor motor de busca em toda a internet, mas também daquele que mais dados recolhe sobre si. Não é só aquilo que procura. É a hora, o contexto, o porquê, as ligações em que clica.

Não há dúvidas de que a multinacional tem um produto superior ao dos concorrentes. Por isso, se não vê problema em ceder a sua informação a troco de pesquisas mais rápidas e precisas, sem dúvida que o Google é a melhor opção.

Mas, e se houvesse outro produto com um nível satisfatório de precisão nas pesquisas? Um motor de busca que oferecesse funcionalidades equivalentes às do Google, respondendo automaticamente a questões em linguagem natural, do tipo “quanto vale um euro em dólares”? E que, porventura, recolhesse menos dados pessoais sobre si?

Não é uma utopia. Afinal, o Google, apesar de dominante, não é o único produto disponível no mercado.

Ao longo dos últimos meses, tenho experimentado alternativas ao motor de busca Google. Rapidamente descobri (já o referi) que o Bing, da Microsoft, está bem mais avançado do que pensava. Mas nem é preciso escolher um produto de uma multinacional: recomendaram-me o Qwant, que é europeu e focado na privacidade. Gostei.

Esta reflexão ganhou mais uma razão de ser nas últimas semanas. A Google (casa-mãe) ameaçou fechar o site na Austrália caso seja aprovada a nova lei dos média. A regulamentação forçará a empresa a negociar uma partilha de receitas com os jornais em troca do direito a usar o seu conteúdo, mas não é sobre isso que hoje me debruço.

Em resposta à ameaça da empresa, as autoridades australianas encolheram os ombros. O Financial Times escreve esta quinta-feira que raramente uma proposta legislativa granjeia tanto apoio naquele país. Por isso, o mais provável, nesta altura, é que a medida acabe mesmo por virar lei.

Rod Sims, responsável da Autoridade da Concorrência australiana e arquiteto dessa proposta, tem respondido com um bom argumento. Apesar de reconhecer que não é bom os australianos ficarem sem acesso ao Google, há outra coisa igualmente importante chamada democracia.

“O que acontece se eles saírem [do país]? O meu contraponto é, o que acontece se lhes dermos um veto sobre a legislação governamental? Não podemos fazer isso”, disse Sims, citado pelo jornal britânico.

A Microsoft está atenta à trama e já mostrou apoio ao plano, lançando, estrategicamente, uma escada para o resgate. Se a Google cumprir a ameaça, a empresa liderada por Satya Nadella está pronta para transferir gratuitamente as pequenas empresas para o Bing (a visibilidade dos motores de busca é importante para o negócio, sobretudo em tempos de pandemia).

Naturalmente, a Google é livre para sair da Austrália ou de qualquer outro país onde opera. Se o fizer, 19 milhões de australianos ficarão sem acesso ao serviço. Mas não nos podemos esquecer de que há sempre alternativas. E não necessariamente más.

É, por isso, um bom momento para refletirmos todos sobre o porquê de usarmos o Google. Eu tenho alguns palpites:

  1. Conveniência. É o motor de busca predefinido nos principais browsers, do Chrome (que é da própria Google) ao Firefox, passando pelo Safari nos iPhones. Resumindo, podemos pesquisar diretamente na barra de endereços, sem a necessidade de ir a Google.com. Mas isso não acontece por acaso: a empresa tem contratos firmados com estes canais, como é o caso do acordo com a Apple que está na mira das autoridades judiciais nos Estados Unidos da América.
  2. Hábito. É o motor de busca que nos habituámos a usar desde os anos 90, nos primórdios da internet. Falo por mim: acedi ao Google pela primeira vez em 1998/1999, num rudimentar computador que a minha escola tinha adquirido. Para muitos internautas, o Google é a internet. Ou foi, pelo menos, o primeiro site de que ouviram falar. Já não é o único: passaram mais de 20 anos e não há razão para excluir, a priori, outros produtos do mesmo tipo.
  3. Integração. Não são só as pesquisas: o Google está integrado com uma panóplia de outros serviços, do e-mail aos documentos, dos mapas à cloud. São produtos gratuitos e úteis, que permitem à empresa extrair os dados de comportamento que vende a terceiros, e que explicam o facto de mais de 80% das receitas da multinacional terem origem na publicidade digital, segmentada aos gostos de cada um.
  4. Impossibilidade. Para muitos utilizadores, desistir totalmente do Google não é, todavia, opção. Quem usa telemóveis com Android – objetivamente, milhões de pessoas que não têm um iPhone ou um dos smartphones da Huawei mais recentes – está efetivamente impedido de desinstalar o Google do seu equipamento.

Estas são as principais razões que explicam o domínio do Google sobre os concorrentes. Contudo, é notável a mudança que está a ocorrer no paradigma. A Apple já mostra resultados próprios para quem pesquise a partir do ecrã principal dos iPhones. E há rumores de que está a trabalhar num motor de busca alternativo ao Google.

Por isso, este momento é de oportunidade. Oportunidade para explorar outras opções, como o Bing, o Qwant, o DuckDuckGo e muitos outros.

Fica lançado o desafio: adicione um deles aos favoritos. Ou, se se sentir com sorte, arrisque alterar as definições do seu browser para que um deles seja o serviço padrão.

Experimente durante umas semanas. Talvez veja, ao fim de poucas pesquisas, que não é um pesadelo assim tão grande quanto parece.

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