O impacto do Euro Digital no financiamento da economia

Existem ainda matérias a decidir antes que seja dada “luz verde” ao Euro Digital. A definição de um “cap” por carteira digital, único para todos os Estados do euro, é uma dessas decisões.

Christine Lagarde anunciou na semana passada mais um importante avanço no projeto do “Euro Digital”, que entra agora numa nova fase de preparação com vista à sua implementação a partir de 2027.

O Euro Digital (ou “digital cash”) promete ser transformador para o sistema financeiro da Zona Euro, desde logo pela promessa de criar um novo mecanismo de pagamentos gratuito, anónimo, seguro e integrado a nível europeu, com avultados benefícios para consumidores e empresas. A visão do BCE é clara: “Cash or digital cash, the choice will be yours”. Assim, se tudo correr como esperado, uma parte significativa dos mais de €220 biliões de pagamentos anuais da Zona Euro passarão a ser feitos por este meio.

Perspetivas muito entusiasmantes mas que, nas palavras da própria Presidente, não devem ser tidas como garantia de que o Euro Digital vai realmente acontecer. Isto porque existem ainda matérias a decidir antes que seja dada “luz verde”, incluindo medidas de mitigação de impacto junto do sistema bancário e do financiamento das economias.

No cenário base de adoção do Euro Digital, uma parte dos depósitos bancários migrará para as novas carteiras de Euro Digital suportadas pelo BCE. O valor exato dependerá do nível de adoção mas, a confirmar-se os pressupostos de gratuitidade, anonimidade, segurança e integração, este será expectavelmente elevado. Uma “fuga de depósitos” sistémica que obrigará os Bancos a procurar fontes de financiamento alternativas (seguramente mais caras), com possível impacto no volume e no custo do crédito.

Em Portugal, por exemplo, os depósitos à ordem somam mais de €80 mil milhões (25% do total de depósitos), representando uma importante fonte de financiamento dos bancos, e por extensão, da nossa economia. Este valor aumenta para €145 mil milhões se incluirmos também os depósitos empresariais, dos quais uma boa parte é utilizada para gestão de pagamentos. Valores relevantes no contexto do sistema bancário português e do financiamento da economia.

Para minimizar este impacto, o BCE já propôs um teto máximo de €3,000 por carteira de Euro Digital (“cap”). Apesar de ser apoiado pela Comissão Europeia e por vários países (incluindo Portugal), a introdução de limitações à utilização de dinheiro não é consensual e tem suscitado bastante discussão a nível Europeu. Para acrescentar complexidade ao debate, encontra-se atualmente em discussão uma nova Diretiva de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo que prevê um limite de €10,000 por transações realizadas em numerário. Ou seja, discutem-se regras diferentes para limitar a utilização de numerário e de Euro Digital – uma discrepância que pode dificultar ainda mais o entendimento entre os vários Estados Membros sobre esta matéria.

Em relação ao impacto, se assumirmos que pelo menos 5 milhões de portugueses terão carteiras de Euro Digital (equivalente ao número de utilizadores MBWay a Julho 2023) com um valor médio de €1,500 (equivalente a 1 salário médio), temos de estar preparados para uma redução de €7,5 mil milhões em depósitos bancários. Se somarmos a este valor as carteiras de Euro Digital das empresas (que dificilmente terão restrições), o valor poderá superar os €10 – €12 mil milhões de euros. Mas o impacto poderá ainda ser superior. Isto se for aprovado um “cap” mais elevado ou se a adoção entre consumidores e empresas for mais massificada.

A definição de um “cap” único e sustentável para todos os Estados Membros é por isso uma das medidas mais relevantes a acompanhar no contexto de aprovação do Euro Digital. Uma medida que poderá ser difícil de negociar, mas sem a qual o Euro Digital provavelmente não avançará.

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