O insustentável peso da sustentabilidade

O mundo evolui de forma não linear. O mais relevante é saber qual a tendência de longo prazo?

Donald Trump usou o primeiro dia do regresso à Casa Branca para metralhar a política seguida pelo seu antecessor, da diversidade e igualdade de género à imigração, passando pelo apoio às instituições multilaterais ou o fim da monitorização dos riscos da inteligência artificial.

O novo Presidente foi eleito com uma plataforma ideológica muito diferente do anterior e fez questão de marcar esse fosso. A reversão mais significativa aconteceu na política energética.

Uma das bandeiras da administração Biden foi a Lei para a Redução da Inflação, um pacote de 891 mil milhões de dólares de despesa, em grande parte para apoiar investimentos na transição energética, que atraiu vários projetos de grande dimensão e até motivou queixas da União Europeia, que considerou a medida protecionista.

Das cerca de 200 ordens executivas que Trump assinou, seis dizem respeito à energia. O novo Presidente declarou o “estado de emergência energética”, apesar de o país não ter falta dela (é o maior produtor de petróleo e gás natural), para poder saltar por cima de entraves regulatórios. Uma das ordens executivas, “Libertar a Energia Americana”, visa dar corpo ao “drill, baby drill”, dando indicação às agências federais para envidarem esforços imediatos para aumentar a produção de energia a partir de combustíveis fósseis.

Trump também cancelou as licenças para projetos eólicos em terrenos federais e suspendeu as verbas para as renováveis previstas na legislação implementada durante o mandato de Biden, congelando 300 mil milhões de dólares em empréstimos e garantias. O novo Presidente voltou também a retirar o país do Acordo de Paris.

Tratando-se dos Estados Unidos, estas mudanças reverberam pelo mundo. O índice acionista S&P Global Clean Energy desvaloriza 25% desde finais de setembro, quando a vitória de Donald Trump começou a parecer inevitável, com as perdas a acentuarem-se após a sua eleição. Este ano o indicador cai 4,8%, enquanto o índice de ações mundiais trepa 3,5%.

Este mau desempenho significa que haverá menos capital a ser alocado a projetos de energias limpas. O CEO da EDP, por exemplo, afirmou na quarta-feira que a empresa vai rever o plano de investimentos até 2030, que no caso dos EUA só avançará nas áreas que não são afetadas pelas ordens executivas.

O impacto não se cinge ao investimento direto em energias renováveis. Da mesma maneira que Mark Zuckerberg decidiu acabar com a verificação de factos no Facebook por terceiros, para alinhar com Donald Trump, também as instituições financeiras estão a recuar nos seus compromissos climáticos para evitar represálias. O imenso poder do novo presidente assusta.

Seis grandes bancos americanos – JPMorgan, Citigroup, Bank of America, Morgan Stanley, Wells Fargo e Goldman Sachs – saíram da Net Zero Banking Alliance antes ainda da tomada de posse. Quatro dos maiores bancos canadianos fizeram o mesmo e algumas das maiores instituições europeias estão a considerar fazê-lo, segundo noticiou esta semana o Financial Times. O jornal avançou ainda que as gestoras de ativos europeias estão a adotar uma atitude mais cautelosa em relação ao investimento socialmente responsável.

No atual contexto, querer ser mais sustentável tornou-se um fardo demasiado pesado.

O acrónimo ESG, já antes demonizado pela direita radical, apanha por tabela na rejeição do progressismo de esquerda. Uma das ordens executivas de Biden revertidas por Trump versa sobre a adoção de compromissos de ética pelos funcionários do Governo, uma boa prática de governance. Várias grandes empresas estão a recuar nas suas políticas de Diversidade, Igualdade e Inclusão (DEI, na sigla em inglês), que em alguns casos terão ido longe demais.

Enquanto Trump estiver na Casa Branca, a transição energética e os compromissos climáticos perderão força, apesar das evidências crescentes das alterações climáticas (2024 bateu novo recorde de temperatura e CO2) e dos seus efeitos devastadores, incluindo nos EUA.

O mundo evolui de forma não linear. A questão mais relevante é qual a tendência de longo prazo? Por ora, parece ser claramente a descarbonização e a transição climática. O que significa que, mesmo que seja refreado, o investimento vai continuar a existir. Tal como se verificou durante o primeiro mandato de Trump.

Um exemplo: os escritórios em edifícios que não respeitam as novas exigências ambientais estão a ficar vazios e têm escassa procura, que é crescente nos edifícios que são ESG compliant. Uma tendência que se verifica também em Portugal.

Diz o provérbio que há mais marés que marinheiros. A maré da sustentabilidade até pode baixar, mas voltará a subir.

A energia fóssil barata ajudará à competitividade das empresas americanas, mas esta é também uma oportunidade para a Europa se diferenciar, mantendo a aposta em fontes baratas de energia renovável. Para Portugal, é uma imensa oportunidade.

Um bom sinal é também a vontade na União Europeia em aligeirar o insustentável peso da regulamentação ESG, simplificando-a e tornando-a mais objetiva.

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