O mistério da estrada de Sintra
O que assistimos em Sintra foram intervenções (quase) simultâneas e coincidentes da Reserva Federal, do BCE e do Banco de Inglaterra a favor de uma normalização gradual da política monetária.
Há umas semanas atrás Sintra voltou a ser palco de uma reunião extremamente importante (Fórum de Banca Central), que juntou os responsáveis dos principais Bancos Centrais, bem como da Comissão Europeia e reputados economistas.
Contudo, pouca atenção foi dada nos media nacionais (ao contrário dos media internacionais), com a exceção do ECO e do Negócios (se houve mais algum jornal a ter dado destaque peço desculpa pela omissão).
Mas ao contrário da obra de Eça de Queiroz e de Ramalho Ortigão, a quem tomei o nome para esta crónica, a reunião não encerrando muitos mistérios, há um que prevalece e que se manteve nesta reunião: como vai ser o futuro próximo em matéria de política monetária.
Todos sabemos como desde a crise financeira o mundo têm vivido com políticas monetárias expansionistas (até poderíamos dizer de forma agressiva). Começou nos Estados Unidos, quando a Reserva Federal iniciou o seu programa de Quantitative Easing em dezembro de 2008 (embora o primeiro país a usar o QE tenha sido o Japão, ainda antes da crise do subprime, entre 2002 e 2006). A Reserva Federal teve o primeiro programa de QE entre dezembro de 2008 e junho de 2010, o segundo programa entre novembro de 2010 e junho de 2011, o terceiro programa entre setembro de 2012 e outubro de 2014 (havendo em simultâneo um quarto programa entre janeiro de 2013 e outubro de 2014).
Já o Banco Central Europeu iniciou o seu programa de QE (designado por PSPP) no início de 2015, embora antes tenha tido um programa destinado a países mais vulneráveis (incluindo Portugal), designado SMP.
Aquilo que assistimos (não apenas em Sintra) foram intervenções (quase) simultâneas e coincidentes da Reserva Federal, do BCE e do Banco de Inglaterra a favor de uma normalização gradual da política monetária. Diga-se que estas intervenções foram recebidas pelo mercado com dúvidas e reações adversas.
Assim, tivemos uma subida generalizada dos juros de mercado, devido ao receio de uma postura mais restritiva da política monetária. Isto apesar dos indicadores de inflação na Zona Euro continuarem abaixo do objetivo de 2% do BCE (a inflação homóloga da zona Euro passou de 1,4% para 1,3% e a core – sem efeito da volatilidade das commodities – passou de 0,9% para 1,1%).
A Reserva Federal prevê subir os juros de referência uma vez este ano e três vezes em 2018, em movimentos de 25 bps, a partir do atual intervalo 1%- 1.25%.
Claramente há um receio de uma bolha financeira, com uma elevada tomada de risco por parte dos investidores, face por um lado a um excesso de liquidez, e por outro a um nível anormalmente baixo das taxas de juro de referência.
Em Sintra, Draghi contribuiu para que se mantivesse algum mistério no que o BCE fará nos próximos tempos. Manterá o QE ou até o reforçará, ou começará a terminar o programa (fazendo o “tapering”)?
Contudo Draghi disse que os fatores que têm mantido a inflação baixa são temporários, e que os instrumentos de política terão em breve um ajustamento gradual. Também referiu que entende que a atual política monetária tem sido bem-sucedida no crescimento da economia e no aumento da procura, o que levará a um aumento da inflação. Diga-se que foi secundado pelo governador do Banco de Inglaterra e pelo governador do Banco do Canada.
Uma postura mais agressiva na política monetária preocupa de sobremaneira os mercados financeiros e os investidores.
Até que ponto, estando a inflação bem longe dos 2%, o BCE inverterá a política monetária e isso poderá verificar ser um erro? Mas por outro lado, valorizações excessivas de ativos com risco podem conduzir a uma situação semelhante à de 2008. Ou teremos uma ação concertada dos Bancos Centrais (um “acordo de Sintra”)?
E Portugal?
Devemos preocupar-nos porque a política monetária dos últimos anos está a chegar ao fim. E Portugal foi bastante beneficiado, tendo visto as suas taxas de juro reduzirem-se substancialmente (bem como o spread face à Alemanha).
No entanto, desde o início de 2016 que a redução do spread face à Alemanha inverteu-se. Portugal chegou a ter 150 bp de spread (a 10 anos), com a taxa Portuguesa a ser de 1,5% (isto em abril-maio de 2015). Depois do início de 2016 quer o spread, quer a taxa de juro subiram. Há uns meses atrás a taxa de juro a 10 anos chegou aos 4%, com o spread próximo dos 350 bp. Neste momento a taxa a 10 anos de Portugal está nos 3%, mas o spread face à Alemanha continua próximo dos 250 bp.
No entanto nós sabemos que virá novamente uma subida das taxas de juro e que não é de excluir a possibilidade de no médio prazo termos de novo uma crise mundial.
Assim, devíamos estar a ter uma política mais exigente. Por um lado, em termos de reformas estruturais que melhorem a competitividade da nossa economia. Por outro lado, ao nível orçamental uma consolidação não apenas do défice nominal, mas sobretudo focada em reduzir o défice estrutural. E em simultâneo, uma redução rápida (com um plano ambicioso e credível) da dívida pública, de forma a passar rapidamente dos 130% para os 100% do PIB.
Para que na próxima tempestade não sejamos apanhados (novamente) de surpresa, e com cada vez menos margem de manobra.
Da mesma maneira que no arsenal de Veneza se lia “feliz a cidade que em tempo de paz pensa na guerra”, podemos dizer “feliz o país que em tempo de (alguma) bonança e crescimento, pensa na próxima recessão”.
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