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O pântano (outra vez)
Luís Montenegro acumulou a função de primeiro-ministro com avenças de empresas privadas. A responsabilidade por uma crise é apenas sua.
Luís Montenegro acumulou o vencimento de primeiro-ministro e líder do poder executivo do Estado com os rendimentos de empresas privadas, uma situação absolutamente impensável (e custa perceber como um político com a sua experiência considerou esta situação normal). A responsabilidade por uma crise é apenas sua. Por mais explicações que dê, umas bondosas, outras nem tanto, nada será como dantes, a sua autoridade está ferida, e não é uma ferida de morte porque o PCP lhe fez um favor e Pedro Nuno Santos voltou a não ir a jogo.
A história não é bonita, mina a credibilidade e autoridade do primeiro-ministro, a sua capacidade política e de todo o Governo. Não está em causa se Luís Montenegro tomou alguma decisão que beneficiou a Solverde ou qualquer outra das empresas que pagaram, e ainda pagam, avenças a uma empresa que também (ainda) é sua. É apenas o facto de receber essas avenças que muda tudo, tudo entre a moção de censura do Chega que foi chumbada e o dia de hoje, a informação de que recebeu avenças de que beneficiou enquanto primeiro-ministro. Não poderia ter acontecido por um dia que fosse.
Sucessivamente, o primeiro-ministro foi revelando o que jurava não revelar. Era óbvio que teria de dizer ao país que clientes tinha tido a sociedade Spinumviva. Que trabalhos tinha feito. E quem os tinha feito. O que não se sabia, e muda tudo, é que a sociedade continuou a receber avenças, que só se explicam por causa de Luís Montenegro. A venda da empresa aos filhos, na prática, é o recohecimento disso mesmo. O mal estava feito.
Há, nos negócios, um conceito que encaixa como uma luva neste caso: “An Ultimate Beneficial Owner is the individual who ultimately benefits from a company or asset, or has ultimate effective control over it. This is even if they’re not formally named as the business owner“. A Spinumvita é isto mesmo, o beneficiário último foi Luís Montenegro, os clientes existiam por causa de Luís Montenegro, e não por causa dos outros gerentes, a mulher e os dois filhos. A Solverde paga 4500 euros à Spinumviva por causa de um nome, apenas.
Como é que um político experiente como Luís Montenegro considerou normal a acumulação, mesmo que indireta, destes rendimentos é inexplicável. A extinção da empresa ou, como anunciou agora, a passagem do capital apenas para os filhos é um mecanismo jurídico, não resolve nada de político. O primeiro-ministro tinha apenas um caminho decente, a apresentação de uma moção de confiança e se fosse o caso novas eleições. Seria a única forma limpa para tentar recomeçar do zero. Ganhou a tática, perdeu o Governo e o país.
Quando Montenegro desafia a oposição a uma moção de censura, como se o seu resultado fosse igual a uma moção de confiança, está apenas à procura do dia seguinte, aquele em que, depois de uma demissão do Governo, pode culpar terceiros por eleições que ninguém quer. Mas a responsabilidade é apenas sua. Não é de nenhum outro ministro, é do próprio líder. Promete uma moção de confiança, mas sabe que há partidos que não querem eleições. O PCP serviu de “idiota útil”, porque eleições significariam mais uma machadada e assim, sob a capa de que quer censurar, quer na verdade apenas sobreviver.
Pedro Nuno Santos não sai bem disto também. O líder corajoso e frontal revelou ter medo de ir a eleições. Põe em causa a integridade do primeiro-ministro, condição primeira para o exercício de funções, questiona a sua idoneidade quando recebe um duplo salário, do Estado e de privados, mas não retira as devidas consequências. Sabe-se que, mesmo vencendo eleições, teria dificuldade para governar, mas há coisas mais importantes. Simplesmente porque venceu a tática. Perdeu o Governo e o país.
A moção de censura do PCP não vai passar. O pântano, esse, vai ficar.
PS: A crise política é grave, as eleições são inevitáveis, agora ou mais à frente, e tudo fica mais difícil quando Luís Montenegro não comunica a Marcelo Rebelo de Sousa o que fará antes de o dizer ao país.
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