O princípio do fim da CESE quanto às energias renováveis?

  • Lénia Carolina Sousa e Patrícia Guerra Carvalhal
  • 20 Junho 2024

Desde o seu primeiro ano de aplicação que a CESE tem vindo a ser contestada pelos contribuintes, perante a Autoridade Tributária e junto dos tribunais judiciais e arbitrais, por diversos motivos.

A Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (“CESE”) consiste, há muito, num tributo de natureza jurídica controversa, objeto de elevada litigância nos nossos Tribunais.

A CESE foi instituída pela Lei n.º 83–C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, como uma medida de caráter transitório e extraordinário, tendo em vista “financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, a sua vigência tem vindo a ser sucessivamente prorrogada, mantendo-se, ainda, atualmente em vigor.

Com efeito, a incidência da CESE tem inclusive vindo a ser alargada, quer em termos objetivos, quer subjetivos, com o legislador a contrariar a promessa da sua efetiva transitoriedade.

Inicialmente, o Regime Jurídico da CESE previa a isenção para a produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis, com exceção dos aproveitamentos hidroelétricos com capacidade instalada igual ou superior a 20 MW.

Contudo, com a Lei do Orçamento do Estado para 2019, o Governo restringiu os termos da referida isenção, passando desde então a CESE a ser também aplicável aos centros produtores de eletricidade que utilizem fontes de energias renovável, abrangidos por regimes de remuneração garantida.

Desde o seu primeiro ano de aplicação que a CESE tem vindo a ser contestada pelos contribuintes, perante a Autoridade Tributária e junto dos tribunais judiciais e arbitrais, por diversos motivos.

Neste contexto, têm sido apontadas diversas inconstitucionalidades ao Regime Jurídico da CESE.

O Tribunal Constitucional tomou posição sobre a inconstitucionalidade do Regime Jurídico da CESE, pela primeira vez, no seu Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro, tendo concluído que a CESE tinha a natureza de uma contribuição financeira, sujeita ao princípio da equivalência e que o regime não se afigurava inconstitucional.

Não obstante, e em virtude das sucessivas alterações introduzidas, o Tribunal Constitucional tem vindo a alterar a sua posição. Em termos gerais, vem sendo reconhecida a falta de nexo entre determinados sujeitos passivos e as finalidades do tributo, nomeadamente face à atual consignação da sua receita, pondo em causa a qualificação enquanto contribuição financeira. Nesta perspetiva, poderá sustentar-se que a CESE passou a adotar as características de um imposto.

Assume particular relevância neste contexto o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 338/2024, proferido no âmbito do processo n.º 987/2023, publicado a 23 de abril de 2024.

Embora, conforme referido, existissem já várias decisões em que o Tribunal Constitucional tomou posição sobre o Regime Jurídico da CESE, esta foi a primeira vez em que se pronunciou pela inconstitucionalidade deste regime, quando aplicado aos centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renováveis.

No referido Acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional o Regime Jurídico da CESE, concretamente a norma que prevê a incidência subjetiva deste tributo sobre os centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renováveis, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Neste Aresto o Tribunal Constitucional segue o entendimento já vertido em decisões anteriormente proferidas quanto à inconstitucionalidade da aplicação da CESE às entidades comercializadoras grossistas de petróleo, às entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural e, bem assim as que sejam titulares de licenças de distribuição local de gás (Acórdãos n.º 101/2023, 196/2024 e Acórdão n.º 197/2024).

Citando o Tribunal Constitucional, deixou de ser possível afirmar que tais entidades podem ser consideradas responsáveis pela concretização dos objetivos da CESE, agora fortemente reduzidos, pelo que “não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas detentoras de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável os encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico”.

Tal deve-se ao facto de a dívida tarifária do setor elétrico não haver sido provocada por estas empresas, às quais a redução da dívida tampouco beneficia.

Inexiste, portanto, quanto às mesmas uma relação entre a contribuição e a prestação genérica e presumida, o que faz com que a CESE não possa ser qualificada como uma contribuição financeira, configurando-se antes como um imposto.

Face ao exposto, o Tribunal Constitucional concluiu pela inconstitucionalidade do Regime Jurídico da CESE, por violação do princípio da igualdade, na parte em que este tributo se considera aplicável aos centros electroprodutores com recurso a fonte renovável.

Tendo a decisão do Tribunal Constitucional sido proferida no âmbito de um processo de fiscalização concreta, o seu efeito produzir-se-á apenas no processo em causa que lhe deu origem.

No entanto, não se pode ignorar esta importante tomada de posição pelo Tribunal Constitucional, que vem validar os argumentos invocados pelas empresas detentoras de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável no contencioso já em curso.

Ao que acresce que esta decisão pode vir a ser invocada na contestação dos atos de liquidação da CESE, através de reclamação graciosa e de impugnação judicial ou até em sede de um pedido de revisão oficiosa destes atos, tendo em vista a recuperação pelos contribuintes dos montantes suportados com este tributo – o que terá, naturalmente, impacto nas contas públicas.

Estima-se, assim, uma crescente litigância no setor. Para além disso, espera-se que este recente posicionamento por parte do Tribunal Constitucional venha ditar uma nova linha de atuação por parte da Autoridade Tributária e dos Tribunais, culminando, ainda, quem sabe, numa alteração das normas de incidência subjetiva da CESE.

  • Lénia Carolina Sousa
  • Associada sénior da Sérvulo
  • Patrícia Guerra Carvalhal
  • Associada sénior da Sérvulo

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