O que fica para o meio ambiente quando o Coronavírus se for

  • Nuno Brito Jorge
  • 2 Abril 2020

Prefiro pensar que mais do que imposição, isto que estamos a viver é um esforço coletivo que resulta da existência de um inimigo comum e visível.

Fala-se de que a crise do Covid-19 é uma resposta da mãe Natureza aos maus tratos que a sujeitamos. Não vou aqui defender que existe uma relação direta de causa-consequência, mas todos sabemos que a natureza encontra os seus próprios caminhos. Mesmo que no final de tudo isto a relação entre a forma como tratamos o planeta e o surgimento desta pandemia seja igual a zero, é, no mínimo, karma.

Se há efeito que esta crise está a ter é o de acelerar a mudança. Como disse Charles Eisenstein num brilhante texto recente, depois desta “paragem urgente para reabilitação” este é um momento em que também podemos “escolher que partes da economia queremos reabilitar”, quando tudo isto acabar. E é também neste momento, ou oportunidade, que podemos escolher o que queremos ser, como seres humanos, daqui para a frente.

Se olharmos à volta, para as reações de pessoas, governos e empresas e percebemos que há uma escolha que nos define em cada uma. Há os que dão e partilham e os que correm para o supermercado a comprar quanto podem. Os que aproveitam para despedir antes de precisar e os que cortam os seus próprios salários antes dos dos colaboradores. Os países que pedem ajuda e os que se recusam a ajudar. Os que se juntam de forma espontânea e voluntária à luta contra a propagação do vírus e os que continuam a olhar para tudo como uma forma de fazer dinheiro e vendem “gato por lebre” a pessoas ou organizações em desespero.

Há também um acelerar de várias tendências que, mais nuns países que outros, se tornavam pouco a pouco a nova realidade. Podemos pensar no teletrabalho, nas reuniões por videoconferência ou naquilo que as novas tecnologias como Inteligência Artificial (AI), Realidade Virtual (VR), Robótica, Internet das Coisas (IOT) podem aportar à digitalização de serviços, empresas, Governos ou relações humanas.

Yuval Noah Harari debruçou um profundo e muito partilhado artigo a este assunto e ao risco (ou tentação) desta imposição estrita de regras e de vigilância a que agora nos sujeitamos se tornar um novo hábito autoritário. Prefiro pensar que mais do que imposição, isto que estamos a viver é um esforço coletivo que resulta da existência de um inimigo comum e visível. Como costumamos dizer, se as alterações climáticas fossem uma mancha negra no céu, estaríamos todos juntos a combatê-las. Mas a tentação autoritária existe e também é neste momento que se definem os líderes.

Deixo três das tendências que sejam aceleradas e espero que venham para ficar:

A importância da autossuficiência

Uma das maiores ironias desta crise é que começou na China, que (alegadamente) já se encontra na fase de desaceleração, o país do qual agora todos dependemos para conseguir material de proteção hospitalar (máscaras, luvas, etc.) e equipamentos como ventiladores.

No meio do pandemónio instalado em que vivemos, os países pequenos como Portugal, não têm qualquer hipótese de competir com a escala das encomendas que países maiores como Alemanha ou França fazem aos produtores chineses. E a solidariedade europeia ainda está por demonstrar.

Felizmente surgiram com enorme rapidez movimentos de cidadãos e empresários para fabricar localmente o que mais precisamos e que sortirão algum efeito ainda antes da chegada das grandes encomendas chinesas (que virão demasiado tarde para prevenir o pico que se antecipa).

Orgulho-me de ter a GoParity a liderar a recolha de donativos para compra de material hospitalar no movimento Tech4Covid19, e de muitos dos projetos lançados no seio do movimento, mas temos também as fábricas têxteis que alteraram linhas de produção para produzir materiais em falta, as viseiras feitas com impressoras 3D e até o regresso às maquinas de costura domésticas para fazer máscaras de proteção.

Esta crise mostrou que, por mais apologistas da globalização que sejamos, não podemos descurar a nossa capacidade de suprir necessidades básicas localmente. Isto aplica-se à saúde como à alimentação ou à energia. Isto não quer dizer que tenhamos de ser independentes em tudo, mas podemos ser autossuficientes em rede e em proximidade.

Reduzir – fazer menos e mais importante

Esta crise veio mostrar que é possível fazer menos de tudo e mais do que é essencial. Quantas reuniões podiam ter sido calls? Quantas deslocações de carro, avião ou comboio podíamos ter evitado?

Alguém está de facto com saudades de ir às compras? Ou a precisar mesmo de uma nova t-shirt ou vestido? Quando há tanto mais em jogo relativizamos a importância das coisas que fazemos (ou fazíamos).

E se essa arte ou magia que publicitários, marketeers e empresários usam para criar no consumidor a sensação de necessidade fosse aplicada ao apelo a um consumo responsável? E se o potencial dos influencers e redes sociais se orientasse para a promoção de um estilo de vida mais sustentável?

Se é verdade temos muitos anos de “crise de valores” para corrigir, é também incrível pensar na força para o bem que tudo isto pode ser!

Dar espaço e valor à Natureza

Podemos até não ter saudades de ir às compras mas, e da natureza? Da paisagem de montanha, da brisa do mar ou do cheiro da floresta? Agora que lhe damos mais valor, será que a vamos cuidar melhor?

Esta é também uma oportunidade de repensarmos a nossa ligação com a natureza, de deixarmos de nos ver como entes separados e independentes e pensarmos como queremos viver em simbiose com o planeta que nos alberga.

Uma das consequências positivas desta crise, que vai além das “fake news” dos canais de Veneza repletos de cisnes ou golfinhos, é que de facto demos à natureza algum tempo e espaço para respirar.

Há um plano (ou ideia) que propõe tornar 50% do planeta uma reserva natural. Não deve haver grande ciência por trás da escolha “pela metade”, mas também não me parece necessário. Sabemos que importa proteger muito mais do que as zonas com espécies protegidas ou os “hotspots” de biodiversidade e que é preciso ir além dos santuários isolados criando condições e corredores para as espécies se movimentarem, propagarem e evoluírem. Isto deve ser aplicado ao ambiente terrestre, marinho e aéreo.

Se pensarmos bem, meio planeta para a Natureza e outra metade para o Homem é mesmo assim assumir a nossa supremacia sobre toda e qualquer outra espécie quando no final, se não mudarmos, é a nossa própria existência que estamos a por em causa.

Desta crise podemos escolher sair melhores e mais fortes, mas também mais humanos e conscientes. Temos em cada um de nós, em cada opção que tomamos ou ação que levamos a cabo, a oportunidade de escolher o mundo pós-Covid-19 que queremos construir.

  • Nuno Brito Jorge
  • CEO da GoParity e Presidente da Direção da Cooperativa Coopérnico

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