O que ficou por fazer no âmbito da agenda do trabalho digno e da consequente Lei n.º 13/2023, de 3 de abril

  • Luís Gonçalves Lira
  • 31 Maio 2023

É de reiterar que as alterações legislativas ora publicadas têm, maioritariamente, um impacto muito positivo nas relações laborais, conquanto existam muitas outras que foram esquecidas.

Foi publicada a Lei n.º 13/2023, 3 de abril, que é o culminar de uma ampla discussão, na sequência da intervenção de especialistas de Direito do Trabalho, com vista a promover uma série de normas que possibilitem a melhoria das condições de trabalho e a conciliação entre a vida pessoal e profissional.

Algumas das alterações ora produzidas são, efetivamente, meritórias e dignificam a posição do trabalhador. Contudo, o legislador bem podia ter-se ocupado de abordar outras matérias que carecem de atualização, sendo que exporemos aqui apenas algumas delas.

Há uma pedra de toque na legislação laboral, que respeita à duração das férias nos contratos a tempo parcial. Por exemplo, um trabalhador que exerce funções a tempo parcial, apenas 8h diárias e semanais, tem direito a 22 dias úteis de férias, gozados apenas nos dias que, habitualmente, seriam de trabalho? Isso significaria que, durante 22 semanas, o trabalhador estaria ausente em gozo de férias, portanto, cerca de metade do ano. Não pode ser esta a interpretação a dar, sendo certo que a atual legislação não se debruça sobre esta questão absolutamente paradigmática. Resulta daqui que as entidades empregadoras marquem férias mesmo em dias de não trabalho, para que o trabalhador não esteja ausente mais do que um mês, aproximadamente. Sem embargo, seria urgente clarificar esta questão, evitando tratamentos desigualitários e, eventualmente, ilegais. De iure constituendo, a solução passará, por hipótese, por se calcular o número de dias de férias em proporção com o período normal de trabalho.

No que concerne à substituição da perda de retribuição por motivo de falta através da redução do número de dias de férias ou de prestação de trabalho para compensação da ausência, teve agora o legislador oportunidade de determinar que, querendo, o trabalhador pode então impor que assim seja, nos termos do novo n.º 3 do artigo 257.º do Código do Trabalho. Sem prejuízo, facto é que nos termos do n.º 1 admite-se esta possibilidade para qualquer tipo de falta. Teria sido ajuizado condicionar esta imposição apenas para as faltas justificadas com perda de retribuição, não permitindo, assim, a interpretação de que as faltas injustificadas também se encontram abrangidas pelo preceito. Destarte, uma falta injustificada é uma infração disciplinar e dá aso a um procedimento disciplinar. Dificilmente se compreende que, nesta esteira, paralelamente, possa a perda de retribuição ser compensada nos termos previstos, funcionando como uma antítese do regime sancionatório disciplinar, quase promovendo e aplaudindo que o trabalhador possa faltar injustificadamente, pois conseguirá compensar as faltas sem perda retributiva.

Ademais, em Portugal temos centenas de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. A par disso, imensas empresas desconhecem a sua existência e, consequentemente, não os aplicam. Os IRCT’s são fundamentais para a regulamentação parametrizada de específicas áreas de atividade. Teria sido importante (e, oxalá, o seja!) criar um mecanismo de alerta e suporte às empresas para apuramento do IRCT aplicável.

Em suma, é de reiterar que as alterações legislativas ora publicadas têm, maioritariamente, um impacto muito positivo nas relações laborais, conquanto existam muitas outras que foram esquecidas, devendo por isso o legislador procurar estar mais atento às dificuldades reais, da prática, para que possa dar resposta cabal e, assim, contribuir para um equilíbrio e pacificação das relações trabalhador-empregador.

  • Luís Gonçalves Lira
  • Associado coordenador de laboral da PRA - Raposo, Sá Miranda e Associados

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O que ficou por fazer no âmbito da agenda do trabalho digno e da consequente Lei n.º 13/2023, de 3 de abril

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião