O querer e poder do teletrabalho – autonomia do século XXI

  • João Miguel Garrido
  • 31 Agosto 2022

Musk crê que o teletrabalho é uma ode à preguiça. Claro, tal não é justificação para uma entrada em ressaca do full-time, mas tão pouco dever ser um consumo em excesso de homeworking.

É seguro dizer neste momento que o teletrabalho (para além do cliché de que veio para ficar) passou não só a ser uma exigência dos colaboradores, mas também trouxe benefícios para o setor de atividade ao qual pertencem. No entanto, temos vindo a observar um lento, mas afirmado regresso ao “antigamente”. É notória a romaria aos escritórios de Norte a Sul nas manhãs do nosso Portugal, acompanhada, pois claro, da peregrinação até casa ao final do dia.

Por vezes, o destino obriga-nos a tomar decisões inconvenientes e no caso do teletrabalho – algo que poderia ter ficado ligado ao progresso social e evolutivo de uma sociedade – acabou infelizmente ligado a um capítulo menos bom da história da nossa civilização: uma pandemia.

E digo infelizmente porque, de modo transversal, grande parte das organizações e empresas foram apanhadas em contrapé, ora por ordem de prioridades, ora por desleixo, ora por desinteresse. Mas o certo é que se trata de uma medida que em parte as veio beneficiar, tanto do ponto de vista do capital financeiro como do capital humano, pois a flexibilidade nas obrigações laborais quando é levada a sério, é uma prova de compromisso e de produtividade.

À primeira vista o teletrabalho só comporta vantagens: a quase perfeita conciliação entre a vida profissional e familiar, a redução das despesas empresariais, levando ao famigerado aumento da produtividade, bem como à redução da pegada ecológica de cada colaborador. Não obstante, nem tudo são pontos positivos, pois nenhuma solução é perfeita, e são notórios os pontos negativos: nomeadamente a incapacidade de algumas pessoas se desconectarem, a redução do índice de identificação do colaborador com a empresa que representa, o que afeta uma gestão das relações interpessoais e o controlo de desempenho.

Olhando para o que toda a gente já sabe, surge a questão – porque não pensámos ou implementámos isto antes?

Efetivamente dá que pensar. Mas se há algo que as experiências dos ciclos de vida nos levam a concluir é que na generalidade dos casos somos lentos a agir, seja pela incerteza, preconceito ou mesmo aversão à mudança; por força da tão odiada, mas amada rotina e robustez dos nossos hábitos. E aqui falo por experiência própria, pois nunca tinha pensado, há dez ou mesmo cinco anos, que poderia estar no conforto da minha casa, ainda que tentado por todas as distrações e apelos ao ócio que a mesma representa, a desempenhar as minhas funções laborais.

Mas vamos a factos. Uma pesquisa conduzida pela Dell e pela iVox revelou que 3 em cada 5 dos seus funcionários dizem que são mais produtivos em casa do que no escritório, e que, para metade destes inquiridos, o trabalho flexível é tão importante quanto os salários que auferem.

Se esta é a tendência generalizada, para quê complicar, desconfiar do colaborador, impor regras numa sociedade tão “livre”, “independente” e “madura”, e voltar ao que tínhamos antes de 2020? Para poder trabalhar é essencialmente necessária motivação e vontade, e dos dispositivos certos. E se somos persuadidos para seguirmos um modo de vida mais sustentável, sob um repto quase diário, então, porque não começar pelo que conseguimos impactar positivamente no nosso dia a dia, e deixar os maus hábitos que tínhamos para trás, como as jornadas intermináveis até aos escritórios e o encher de caixotes do lixo com copos de café descartáveis, em prol da nossa caneca e de um simples percurso quarto – secretária?

O foco aqui passaria pela mudança de mentalidades essencialmente corporativistas – a permanência em excesso nas premissas das empresas não é um sinónimo de produtividade ou compromisso, muito menos de competência, e os trabalhadores devem ser avaliados pela sua capacidade de apresentar resultados e não tanto pela sua disponibilidade em despender de várias horas do seu dia para estarem presentes em locais onde muitas das vezes não são necessários. Prestemos mais atenção à produtividade e eficiência, pois todos nós sabemos que não é a aparência que produz resultados, é o trabalho que os faz. Existe aqui uma excelente oportunidade para liderar pelo exemplo.

As chefias tendem a ser mais velhas e sábias, mas tal não é uma desculpa para um conservadorismo excessivo – E até o jovem Elon Musk crê que o teletrabalho é uma ode à preguiça. Claro, tal não é justificação para uma entrada em ressaca do full-time, mas tão pouco dever ser um consumo em excesso de homeworking – a cura deve ser aplicada em dose moderada, e com direito a ajuste por parte de quem prescreve a receita.

  • João Miguel Garrido
  • Senior Business Analyst na Adentis

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