Editorial

O sistema mudou (e Ventura é o líder da oposição)

O sistema mudou. Ventura pode agora dizer com propriedade que é mesmo candidato a primeiro-ministro. E é. Pode vir a ser, como Meloni ganhou em Itália.

Não há adjetivos suficientemente expressivos para o choque político destas eleições legislativas, que nos mostram uma reconfiguração do sistema (como sucedeu em França ou Itália). A AD ganhou, reforçou uma maioria relativa, mas pouco, e a notícia é outra: O Chega passou a ser a alternativa de poder ao centro, os socialistas entraram num caminho descendente que põe mesmo em causa a sua relevância como partido de poder (e a demissão de Pedro Nuno Santos pode já ser tarde).

Depois de um ano de governação que podemos considerar, no mínimo, generoso, o Governo caiu por causa do caso Spinumviva. Luís Montenegro jogou uma carta radical, pediu uma maioria maior, um eufemismo para uma maioria absoluta. Ganhou, com mais deputados, mas nem com a Iniciativa Liberal chega aos 116 deputados. O centro e a direita moderados têm mais deputados do que toda a esquerda somada, mas é evidente que a Spinumviva tirou a maioria absoluta a Montenegro, e o próprio deveria fazer uma reflexão sobre a forma como conduziu todo o processo. Uma vitória com pouco mais de 32% não é propriamente motivo para grandes festejos, não é o bicampeonato do Sporting, mas é significativo tendo em conta a subida do Chega (e a frustrante subida da Iniciativa Liberal).

Vai ser necessário procurar as razões que nos trouxeram até aqui. A começar com a geringonça, em 2015, pela mão de António Costa, hoje confortavelmente sentado em Bruxelas. Meteu os radicais de esquerda no poder, como se fosse possível definir os bons e os maus. Radicais são radicais. Costa rebentou com um princípio que deveria ter sido protegido, o de que o partido vencedor das eleições forma governo (e organiza as condições de governabilidade, incluindo aqui a relação com o maior partido da oposição). E a acabar com a forma desastrosa como Pedro Nuno Santos conduziu a sua campanha, que teve o ponto alto com a tese de que um Governo da AD com a IL seria o fim do Estado como o conhecemos. Todos iguais, todos radicais, disse Pedro Nuno Santos, e repetiu-o no discurso de derrota. Ventura agradeceu.

Paradoxalmente, há condições políticas para estabilidade e para quatro anos. Porquê? Porque o PS e o seu novo líder vão ter de dar condições a Montenegro para governar, porque os socialistas vão ter de fazer uma travessia do deserto, porque precisam de tempo para mudar, e não será apenas de líder. O que nos diz a realidade internacional, em países como a França, a Alemanha ou Itália? Os socialistas desapareceram ou passaram à quase irrelevância, e o centro político acabou por concentrar-se em partidos moderados, ou em novos partidos, unipessoais e de caráter liberal, como sucedeu em França com Macron.

A estabilidade política pode ser apenas um bem efémero antes da consolidação do Chega como partido de poder, como sucedeu em Itália. O fim do bipartidarismo tem um ano, na verdade, com os 50 deputados eleitos, mas é evidente que o PSD e especialmente o PS não perceberam o que estava em causa. No precipício, Pedro Nuno Santos deu um passo em frente com um discurso radical, e é evidente agora (é mais fácil vê-lo agora, mas era previsível).

Há quatro anos para mudar de vida, e isto depende do novo PS, mas também de Montenegro. E tem de haver, coletivamente, uma nova forma de olhar para o Chega e para Ventura (o partido continua a ser de um homem só). Não vale a pena repetir a estratégia passada de ignorar o Chega, ou de considerá-lo uma excrescência do sistema. Não, já faz parte dele.

Ventura pode agora dizer com propriedade que é mesmo candidato a primeiro-ministro. E é. Pode vir a ser, como Meloni ganhou em Itália. “Eles ainda não viram nada“, prometeu Ventura. É melhor começar a ouvi-lo.

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