O turismo em Portugal: clean, safe & empty
O Reino Unido deve anunciar hoje que Portugal ficará fora dos “corredores aéreos” que abrem na próxima semana. É um duro golpe para o Algarve e para a Madeira.
As voltas que a vida dá. Há uns meses, muitos turistas que passeavam por bairros de Lisboa, como Alfama ou a Mouraria, eram olhados de lado, num misto de aborrecimento e irritação. Em Veneza, moradores chegaram a marchar pela cidade com cartazes a exigir “turistas, vão-se embora!”. Em Barcelona, alguém pintou numa rua, onde passam muitos turistas, “Gaudí odeia-te”.
Com a pandemia, o turismo parou e muitos são aqueles que hoje entram na Sagrada Família de Gaudí a pedir aos deuses o regresso dos turistas. As ruas de Alfama e da Mouraria estão vazias e em Veneza as gôndolas continuam atracadas, num amargo ‘fare niente’. É caso para dizer, nem oito, nem oitenta.
Para Portugal, a falta de turistas é um drama ainda maior. Na União Europeia, apenas quatro países dependem mais das receitas do turismo do que nós: Croácia, Chipre, Malta e Grécia. O turismo em Portugal emprega cerca de 400 mil trabalhadores, representa 14,6% do PIB e é a principal atividade económica exportadora. Vale 52,3% das exportações de serviços e 18,6% do total de exportações de bens e serviços.
Daí a importância da reabertura, a 1 de julho, das fronteiras de Schengen e a reabertura das cancelas com Espanha, com direito a honras de Estado. Segundo o Expresso, entre Caia e Badajoz vão estar o Presidente da República, o rei Felipe VI, António Costa e Pedro Sánchez.
O problema para Portugal é que nem todos os países querem abrir-nos as portas. A subida dos novos casos de Covid-19 nas últimas semanas já levou oito países a colocarem Portugal na lista negra: estamos proibidos de entrar na Dinamarca, Finlândia, Áustria, Lituânia, Eslováquia, Letónia, Chipre e Malta.
Se a maior parte destes países não nos aquece nem arrefece em termos de turismo, com o Reino Unido a história é outra. Os britânicos anunciam esta segunda-feira os países com os quais vão abrir a 6 de julho os “corredores aéreos” e, segundo a BBC, Portugal e a Suécia estarão excluídos.
Os turistas britânicos não vão ser propriamente proibidos de vir a Portugal. O problema é que no regresso têm de ficar 14 dias de quarentena, o que torna inviável a viagem. Claro que nada impede um turista britânico de viajar para um aeroporto em Espanha, seguir de automóvel até Portugal e, depois das férias, regressar ao seu país da mesma forma, de carro até Espanha e, daí, de avião para o Reino Unido. Só que, é preciso gostar muito de Portugal para dar esta grande volta.
A confirmar-se esta notícia da BBC, é um drama para o Algarve que anualmente costuma albergar três milhões de turistas britânicos.
O que podemos fazer para tentar amenizar este annus horribilis no turismo em Portugal? Sem melhorar os indicadores sanitários não há grande volta a dar. Nem vale a pena ir à CNN dizer que Portugal é um destino seguro para os turistas como fez o primeiro-ministro, nem lançar campanhas a publicitar ‘The Algarve looks good on you’.
Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, Portugal é atualmente o segundo país europeu com o mais elevado número de casos ativos por 100 mil habitantes acumulados ao longo dos últimos 14 dias.
Podemos argumentar que temos muitos casos detetados porque fazemos mais testes do que os outros e que há países, como Espanha, que andam a torturar as estatísticas para ficarem bem na fotografia. Contudo, enquanto não conseguirmos contrariar o atual ritmo de crescimento de casos e quebrar as cadeias de transmissão na região de Lisboa, — ainda ontem foram contabilizados mais 457 novos casos, — não há grande volta a dar.
Controlada a pandemia, será mais fácil passar a mensagem e puxar dos nossos galões no turismo. Há dias, a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE) conseguiu juntar num webinar sete dos últimos secretários de Estado do Turismo, desde Licínio Cunha (1978/1979), passando por Adolfo Mesquita Nunes (2013/2015), e claro está, Rita Marques, a atual titular da pasta. Todos elogiaram a “coerência em relação à política do turismo” que existiu em Portugal nas últimas décadas.
Esta coerência permitiu que, no ano passado, fossemos eleitos o melhor destino turístico do mundo e o terceiro mais seguro. Este ano, e já com a pandemia, conseguimos ser o primeiro país europeu a receber o selo “Safe Travels” do Conselho Mundial de Viagens e Turismo. A campanha de certificação ‘clean & safe’ do Turismo de Portugal foi uma ideia simples e brilhante e a escolha de Portugal para final a final da Champions vai colocar o país novamente nos ecrãs de milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas não chega. Quando os turistas estrangeiros chegarem a Portugal é preciso que os hotéis, os restaurantes, as empresas de animação, os rent-a-car, o alojamento local e os campos de golfe continuem a existir. O setor está a definhar e precisa de ajuda urgente. O lay-off e as linhas de crédito foram uma ajuda preciosa, mas insuficiente. Não basta ao setor ter custos baixos, é preciso ter alguma receita.
Uma forma de ajudar é entrar na guerra que muitos países na Europa estão a travar nesta altura, não pelos turistas dos outros, mas pelos seus próprios turistas. O mercado interno normalmente representa 30% do turismo em Portugal. Este ano, esta percentagem terá necessariamente de aumentar para que o setor sobreviva.
Devíamos seguir o exemplo italiano que resolveu dar uma ajuda de 500 euros a cada turista italiano que decida fazer férias em Itália. A ajuda foi dada a quem ganha menos de 40 mil euros/ano e 80% da ajuda é dada sob a forma de desconto no preço dos hotéis (que ganham um benefício fiscal na mesma proporção) e 20% ao próprio cliente, que ganha um crédito fiscal.
Dir-me-ão que é muito dinheiro. É verdade. Se déssemos 500 euros a 2 milhões de portugueses para irem de férias cá dentro, seria um rombo de mil milhões nos cofres públicos. Um rombo ou um investimento? É muito tendo em conta que o setor representa 14,6% do PIB? É muito tendo em conta os 1,2 mil milhões que o Governo se predispôs a injetar na TAP?
Há 15 dias, o Governo lançou uma campanha chamada #Tu Podes. Visita Portugal. Não chega. No dia em que o Governo lançou esta campanha, o primeiro-ministro referiu que tinha tido, recentemente, a oportunidade de visitar o Algarve e de ver a região como não a via desde os anos 60: “se me concedem um minuto para ser um cidadão egoísta, que bom que foi poder ver o Algarve sem ver as filas e as enchentes de sempre”. Sr. Primeiro-ministro, já passou um minuto.
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