Editorial

Os bónus na TAP. Um prémio de três milhões pode ser barato?

Todo o processo de reestruturação da TAP, incluindo o modelo e incentivos à gestão, têm um enorme problema de falta de transparência. E caso após caso, ninguém aprende.

A presidente executiva da TAP, Christine Ourmiére-Widener, está sob uma enorme pressão política e mediática e a cada dia que passa, a cada notícia, parece ser mais improvável a sua manutenção em funções, vem aí uma comissão de inquérito que poderá ser a ‘gota de água’ para a sua demissão, se não for antes com o relatório da IGF sobre a indemnização paga à ex-governante Alexandra Reis. Mas se haverá boas razões para demitir a gestora, uma delas não é o bónus por cumprimento do programa de reestruturação.

A TAP vai receber um total de 3.2 mil milhões de euros de fundos públicos, dos contribuintes, ao abrigo de um acordo com a Comissão Europeia, para cumprir um plano de reestruturação que é obviamente difícil e que tem enormes custos sociais para os seus trabalhadores. E a CEO escolhida em concurso internacional para a função já deu sinais, no mínimo, de falta de bom senso e de dificuldade em perceber o que é ser gestora pública. Decisões como a de mudança da frota automóvel, a contratação de uma amiga com competências duvidosas para as funções ou até a mudança de sede num momento de reestruturação revelam uma gestora sem as prioridades bem definidas (para não dizer outra coisa). E que está obviamente diminuída na sua capacidade negocial com os sindicatos para a gestão da companhia agora e para a renegociação de um novo acordo de empresa.

Agora, todo o processo de reestruturação começa inquinado quando há uma enorme falta de transparências nos acordos assinados com Bruxelas, nas letras miudinhas dos contratos, nas obrigações em que os contribuintes estão a incorrer. E obviamente nas condições salariais da equipa de gestão que tem de executar este plano (mais uma vez, onde anda o desaparecido Manuel Beja, chairman da companhia?).

A comissão de inquérito seria dispensável se a TAP, se os decisores políticos e os seus gestores, percebessem o que está em causa, se tivessem sido, em tempo devido, transparentes com os que pagam a fatura, os contribuintes. As respostas dadas depois das notícias publicadas sabem sempre a justificações pífias, quando não mentirosas. É o caso do contrato assinado com Christine Ourmiére-Widener e em especial do bónus a que terá direito se cumprir o plano de reestruturação.

O Correio da Manhã tinha revelado que o bónus seria de dois milhões de euros e agora o Jornal Económico traz novas revelações. Afinal, o bónus pode ir até aos três milhões em função do grau de cumprimento do plano. Mas o contrato de gestão em que são definidos os respetivos objetivos e o prémio não foi aprovada em Assembleia Geral. Cai o carmo a trindade, a gestora não pode ter bónus e se calhar até há ali uma ilegalidade que pode permitir não pagar à gestora mesmo que venha a cumprir os objetivos definidos.

Comecemos pela parte legal. Era o que mais faltava que o Governo não cumprisse um acordo e se o acionista Estado está obrigado a aprovar o contrato de gestão e os referidos bónus em assembleia geral — coisa diferente do contrato de trabalho e definição do salário bruto fixo e da existência de prémios –, então vai muito a tempo de o fazer. O prémio só poderá ser atribuído em 2025, no final do mandato e se o plano de reestruturação for cumprido.

Há outras duas questões: Um gestor público de uma empresa que dá prejuízos deve receber prémios? E o valor de três milhões de euros é aceitável?

Vamos por partes: A gestora, como todos os trabalhadores, devem ser premiados se a TAP chegar ao fim deste processo, em 2025, a dar lucros e de forma consistente. Não pode ser apenas a gestão, como é óbvio, a justificar um prémio, esses ganhos têm de ser partilhados com todos os trabalhadores que, com o seu desempenho, terão contribuído para a reestruturação da companhia. Depois, é difícil dizer, sem cair em populismos, se três milhões de prémio é um valor elevado ou não. Mais uma vez, está em causa a transparência da informação. Mas qual terá de ser o resultado da companhia em 2025 se o plano da TAP for cumprido? E qual é a fórmula escolhida para chegar a esse valor, tem paralelo com o que se passa noutras companhias internacionais?

A discussão que está a ser feita, e nos termos em que está a ser feita, resulta da falta de transparência de todo o processo, mas está também a ser alimentada por demagogia e populismos, como se percebe pela forma como André Ventura tentou já esta manhã de sexta-feita capitalizar o descontentamento social.

A contratação de uma gestora para a TAP no mercado internacional só poderia ser feita com incentivos. Paulo Macedo, presidente da CGD, também terá direito a prémio se cumprir os objetivos que lhe foram fixados pelo acionista Estado, e é mesmo assim que deve ser.

Qual é a ironia de tudo isto, e como a discussão do bónus só serve para distrair do que é essencial? O Governo quer vender a TAP este ano de 2023 e os prémios de gestão vão ser problema dos novos donos. E se a TAP não for vendida e os resultados não aparecerem, aí sim, teremos mesmo um enorme problema entre mãos, a insolvência da companhia e a destruição de mais de três mil milhões de euros de fundos públicos. Assim se percebe como um prémio de de três milhões até nos sai barato.

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