Editorial

Os prejuízos dão bónus

António Ramalho prefere os bónus à reputação, porque há prejuízos bons e prejuízos maus, há aqueles que dão despedimento, mas também há os que dão prémios (quando alguém paga o buraco).

Os gestores trabalham para aparecerem nos rankings das empresas com melhor reputação, nas listas das organizações mais bem vistas, mas o Novo Banco e a equipa de António Ramalho parecem estar à procura de liderar os rankings das empresas mais odiadas, que também existem. A decisão, pelo segundo ano consecutivo, de atribuição de bónus à administração quando os resultados dos exercícios que têm para apresentar são centenas de milhões de prejuízos é incompreensível à luz de qualquer critério de razoabilidade ou, então, a reputação deixou de ser um critério de gestão.

Qual é a história? Depois do bónus de 1,99 milhões de euros atribuído em 2019 (que foi diferido), em 2020 — ano em que o Novo Banco registou prejuízos de 1.329 milhões de euros — há um novo bónus. A administração do Novo Banco vai receber 1,86 milhões, valor esse que também só poderá ser pago no próximo ano, depois de concluída a reestruturação. O ponto é que os prejuízos do Novo Banco estão a ser protegidos por uma garantia pública do Fundo de Resolução que, a cada ano, transfere uma verba para compensar o Novo Banco destes resultados, que são originados por uma estratégia acelerada da chamada ‘limpeza de balanço”.

O Fundo de Resolução é uma entidade pública financiada pelos outros bancos, mas como não tem fundos suficientes, pediu dinheiro emprestado aos contribuintes. E mesmo tendo em conta esse modelo de financiamento, qualquer despesa do Fundo tem impacto no défice, nas contas do Estado. Como aliás ficou bem claro da auditoria do Tribunal de Contas. Ora, gera obviamente indignação a atribuição de bónus em ano de prejuízos e ainda por cima financiados por dinheiro público. António Ramalho percebe exatamente o que está em causa, mas prefere assumir um enorme dano reputacional, que também é pessoal, não é apenas do Novo Banco.

O Fundo de Resolução, o Banco de Portugal, o Governo e até o Presidente já criticaram a decisão do Lone Star e de Ramalho. A afirmação de Marcelo é lapidar: “Faz parte do bom senso universal“. Deveria fazer, sim, mas não faz como se vê. Mas há outras razões, que parecem estar fora da discussão e que os decisores políticos também conhecem (apesar das declarações públicas). É que António Ramalho e a sua equipa não recebem bónus apesar dos prejuízos, Ramalho e a sua equipa (que inclui, por sinal, um gestor, Vítor Fernandes, que vai ser chairman de um banco público, o banco de fomento) recebem bónus precisamente porque têm prejuízos. Confuso? Nem por isso. E o Tribunal de Contas explicou isto muito bem.

Quando este Governo, com este governador, vendeu o Novo Banco ao Lone Star, aceitou dar uma garantia pública de 3,9 mil milhões de euros para pôr o banco num ‘brinquinho’. E só com esta garantia é que o banco poderia ser vendido. O Novo Banco tinha um rácio de malparado elevadíssimo, acima de 30%, e precisava de fazer a limpeza destes ativos para valores próximos dos 5%. Ora, em paralelo com o contrato de venda, a própria administração assinou um contrato de objetivos, associado precisamente à capacidade de venderem o que na indústria financeira se designa por ‘ativos não produtivos’. E a consequência de fazer essas vendas de forma rápida, muito acelerada, tinha, e tem, uma contrapartida, o recurso à garantia de Estado. Já perceberam?

O Estado, através do Fundo de Resolução, também é acionista do Novo Banco com 25% do capital (na verdade agora será uma participação mais reduzida, na ordem dos 12%, mas isso é outra história, que não está explicada e que, quando for clarificada, será objeto de outras manifestações de indignação), enquanto o Lone Star tem 75%. Mas os incentivos não estão alinhados, há contradições insanáveis entre os acionistas e dentro do próprio Fundo de Resolução, que tem dois objetivos: Pagar o menos possível (mais vai ter de pagar a totalidade da garantia de 3,9 mil milhões de euros) e valorizar o mais possível a participação acionista no Novo Banco para uma posterior venda, com a política, ano após ano, a fazer pressão sobre o que se paga e o que não se deveria pagar.

Quem tem os incentivos alinhados são António Ramalho e a sua equipa e o fundo americano, daí os bónus em anos de prejuízos. É claro que a administração do Novo Banco e o principal acionista poderiam e deveriam fazer isto de outra forma. Sobretudo quando, depois, para português ver, fazem questão de escrever no relatório e contas que estes prémios não estaõ garantidos e até podem passar a zero. Errado. Não vão passar a zero, vão engordar e vão ser pagos, porque Ramalho está a fazer exatamente o que lhe pediram e que justifica esses prémios (por muito que nos custe, e custa, porque os contratos incentivam estes comportamentos): Há bons e maus prejuízos, há prejuízos que merecem prémios e outros que merecem despedimentos, há prejuízos que são até desejados (quando há quem os pague, neste caso o Fundo de Resolução, os outros bancos e os contribuintes).

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