Os “vales” no contexto do ecossistema do hidrogénio

  • Bernardo Cunha Ferreira
  • 12 Abril 2021

O fascínio pelos “vales” não nos deve no entanto distrair do ecossistema do hidrogénio. E esse, salvo alguns tímidos passos, ainda continua por desenvolver.

No âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia e no contexto da conferência “Hydrogen in Society – Briding the Gaps” realizada no passado dia 7, o Secretário de Estado da Energia anunciou a intenção de criar e desenvolver dois “hydrogen valleys” nos próximos anos no Porto de Sines e outro no norte de Portugal. Com a criação destes clusters industriais, pretende-se a integração, numa mesma área de todo um ciclo de atividades relacionadas com o hidrogénio verde, particularmente a produção, distribuição, exportação e utilização.

A criação destes “vales”, particularmente no caso de Sines parece prefigurar contornos de perfeição uma vez que logra conjugar fatores absolutamente únicos: a preexistência de extensa e abundante área de implementação (ZILS) com extensas e intensas interligações elétricas, com proximidade a grandes consumidores industriais (e.g. Galp, Repsol) e a recursos hídricos.

O fascínio pelos “vales” não nos deve no entanto distrair do ecossistema do hidrogénio. E esse, salvo alguns tímidos passos, ainda continua por desenvolver. É certo que alguns avanços do ponto de vista programático foram alcançados, seja com a aprovação de diversos pacotes ao nível europeu (o mais recente, o Hydrogen Act, publicado este mês) seja ainda com a aprovação do Plano Nacional do Hidrogénio. No entanto, faltam ainda passos práticos que garantam a investidores e players de mercado maior certeza e clareza.

Entre outros aspetos, encontra-se naturalmente o ecossistema da regulação jurídica que urge rever e detalhar. É certo que já dispomos de alguns instrumentos jurídicos mais focados para outras tecnologias ou matérias (e.g. gás natural), no entanto deveremos ter consciência de que conviveremos com o hidrogénio na próxima década e que deverá ser munido de um ecossistema jurídico próprio.

Entre outras matérias, cremos que o legislador deverá dar prevalência e tratamento preferencial ao tema do licenciamento, implementando por exemplo um licenciamento centralizado de projetos como, aliás, já previsto em alguns países (na Europa, por exemplo, é o caso da Áustria). Com efeito, os projetos de hidrogénio terão uma multiplicidade de temáticas (planeamento territorial, licenciamento urbanístico e municipal, licenciamento da atividade, licenciamento industrial, licenciamento ambiental), de atores (Governo, Câmaras Municipais e entidades várias, como DGEG, REN, entre outras) e de questões que só um tratamento único, centralizado e coordenado (one stop shop) permitirá dar uma resposta eficiente, coerente e rápida.

Além da necessidade de centralização, carecem também de uma revisão profunda os mais importantes regimes jurídicos associados a estes projetos, particularmente o regime jurídico do licenciamento industrial (essencialmente focado para indústrias poluentes e com uma forte componente de reporte e controlo, deverá ser reajustado e se possível simplificado) e o licenciamento ambiental (entre outros, o regime de avaliação de impacte ambiental, a titularização da utilização de recursos hídricos, cujos regimes jurídicos não estão adaptados a esta nova realidade). A tudo acresce o regime fiscal subjacente (isenções, taxas) que deverá ser claro, evitando-se surpresas e/ou entendimentos divergentes.

O entusiasmo por este “novo setor” é grande. Às linhas programáticas deveremos aliar ideias criativas. Mas não podemos esquecer que este novo paradigma ambiental alavancado pelo hidrogénio não se faz apenas de “vales” mas da construção de todo um ecossistema mais vasto, incluindo o ecossistema jurídico.

  • Bernardo Cunha Ferreira
  • Associado de Energia & Alterações Climáticas da CMS Rui Pena & Arnaut

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